sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ESPANTO E CURIOSIDADE (de JOÃO TERRA QUENTE)

Lá pelas quinze da tarde
da segunda terça-feira  de outubro
do mesmo ano
que Tancredo escolhera para ser presidente
- Estava João Terra Quente
numa biblioteca pública
e sem nenhum objetivo
Apenas observava o interesse dos consulentes
e pensava distante
o que os livros teriam para lhe dizerem alí

Foi quando de repente
assustou-se ao ouvir o seu nome
(nome de guerra)
sendo chamado pelo serviço de som
- Era uma bibliotecária que já lhe acenava
lá de um corredor bem pouco iluminado
aonde estava empilhado
um montão de escrituras antigas

Imediatamente
João Terra Quente foi lá
exatamente para saber de que se tratava
e ela se surpreendeu com um papelote
escrito a lápis
J (ponto) Terra Quente
e ele num tom de cerimônia popular
- respondeu: Pronto senhorita!

Logo ele notou pela espessura das lentes
do seu óculos
a gravidade da sua miopía
e o seu descaso na sua aproximação

... alguns segundos
foram consumidos pelo silêncio
Então, lá do alto de uma escada
veio a voz de alguém
que revirava alguns volumes na prateleira
- Pronto querida,
já encontrei!
E ela só fez dizer:
Ótimo!
Mas quando foi se virando
pôs o dedo indicador sobre o nariz
e alçando lentamente o óculos
perguntou a Terra Quente:

... ah!
Foi o senhor que veio pegar o documentário?
Terra Quente ficou atordoado
e tentou se explicar
mas não foi possível
Ela foi logo empurrando uma pilha enorme
de escrituras antigas
para o seu lado
e disse:
... ainda bem que mandaram buscar isso.

E Terra Quente, que estava atônito!
Ficou ainda mais patético
quando de repente
dois cidadãos de terno e gravata
- sapatos reluzentes e de boa aparência
aproximaram-se da papelada
e um, disse para o outro:
por que voce não levou essa droga ontem!
E cada um pegou uma parte
... e saíram

Em cima do balcão
ficou apenas uma página que
por acaso se desanexara de um volume
- mas ele foi o suficiente
para aguçar a curiosidade
de João Terra Quente
Ele então chamou a bibliotecária
e perguntou:
Senhorita,
Por favor!
Que documentação era aquela
que estava aqui?

Ah, o senhor não sabia
nem olhou!
Afinal quem é o senhor?
E ele ao dizer ummmm! Pelas narinas
passou alguns segundos de boca fechada
para depois respondê-la:
- Eu sou João Terra Quente.

E ela atentamente o ouviu e disse:
... ah, foi isso!
Meio desconcertada disse a moça
- é que alguns colégios
mandaram os seus alunos
para pesquisarem as antologias
dos Novos Poetas do Ceará
e para um deles
quase que por acaso
citei o nome de um amigo seu...

E Terra Quente só fez balançar a cabeça
positivamente,
já dizendo - obrigado
muito obrigado!
Mas me fale um pouco daqueles papéis
que estavam aqui!
E ela também
fez um duplo um, um pelas narinas
e balançando negativamente a cabeça
falou: êh! Se não era o senhor,
quem seria?

Quem os levou? Meu Deus do céu!
... e agora?!
E ele também já um pouco espantado
terminou dizendo:
Calma juvene,
mas nem perceu que a tinha tratado
com um adjetivo do latim

Mas ela perturbou-se
e já estava ficando frenética
- sorte ou não,
é que alguém bonquíticamente tossiu
e por via disso ela controlou-se um pouco
mas mesmo assim
não deixava de transparecer o nervosismo
foi bem pertinho de Terra Quente
e disse:
Difícilmente as pessoas aqui
falam essas línguas mortas
- Então é por isso que o senhor
está me pregando essa peça - né?

... não! Senhorita,
quer me ouvir, por favor!
- Ok! Disse ela:
Dois senhores muito bem trajados
passaram por aqui
e os levaram
mas um ainda perguntou para o outro:
Por que não os havia levado ontem!

Isso lhe diz alguma coisa - senhorita?
E ela voltou-se para ele
e disse: Sim,
e o agradeceu - contentíssima.
Obrigada, senhor!
Desculpe o transtorno - ok!
- Tudo bem, garota
assim disse Terra Quente

Mas se não fosse
no seu horário de trabalho
João certamente lhe diria:
Isso não foi nada,
mas como é que foi isso!
tome um pouco mais de cuidado
com os seus afazeres
porque isso na verdade é tudo