A TRISTEZA
MAIS TRISTE QUE MEUS OLHOS JÁ VIRAM, É O
QUE ERA PRA SER A IMAGEM DO FILHO E A SEMELHANÇA DO PAI, "SACRALIZANDO O
PROFANO".
Sacralização do Profano
ROBOSA
Caríssimos!
De novo, aquele “anjo torto”,
de Drummond, assoprou em meu ouvido, dizendo: “Vai, meu caro. Entra em mais uma
polêmica”.
Obediente que sou a esse tipo
de anjo, cá estou. Assim, falarei exatamente sobre o que o título deste artigo
prenuncia: a sacralização do profano; ou seja, o contrário do convencional, que
seria a profanação do sagrado.
Começo relembrando a inusitada
e paradoxal figura de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal e
Conde de Oeiras, nascido em Lisboa, em 13 de maio de 1699, e morto em Pombal,
aos 8 de maio de 1782.
Leiam-se e/ou interpretam-se
os feitos desse Marquês como se preferir. As figuras polêmicas parecem até
gostar disso. Só para situar, Pombal, um ser nada convencional, foi secretário
do estado português durante o reinado de D. José I (1750-1777).
Da forte personalidade do
Marquês – representante do despotismo esclarecido –, aprecio sua coragem de,
mesmo tendo nascido em um dos países mais católicos da Europa, não ter hesitado
em conduzir a expulsão dos jesuítas de seu país e de suas colônias, incluindo o
Brasil.
Literalmente, Pombal botou os
inacianos (os jesuítas) em fuga. Como um dos filhos do Iluminismo, ele cria em
estados laicos.
De sua morte até hoje, vivemos
235 anos. A despeito de outras reformas que ajudou a empreender, lá e cá, isso
já seria tempo mais do que suficiente para compreendermos a importância que têm
estados laicos, ou seja, livres dos ensinamentos celestiais, tão etéreos quanto
estéreis no plano social.
Para Pombal, a religião – em
seu caso, a católica – não deveria interferir na vida do Estado, muito menos
pelo viés da educação.
Se essas lições, cultivadas
pelos iluministas, vigorassem geral, além de livrar o mundo das cruéis “guerras
santas”, hoje, particularmente, eu não precisaria sequer escrever este artigo,
pois não veríamos o Estado de Mato Grosso – em parceria com uma prefeitura (a
de Chapada dos Guimarães) e uma empresa de comunicação – pagar para cantores
gospels se apresentarem em um festival de cultura popular.
Anualmente, e há muito tempo,
a referida cidade tem servido de palco para um dos mais importantes festivais de
inverno realizados no país. Todavia, lamentavelmente, de alguns anos para cá, a
qualidade de sua programação tem escorregado pelos lindos paredões rochosos da
região, caindo em riachos e rios que vão desaguar em algum lugar qualquer.
De repente, não mais do que de
repente, os organizadores do evento começaram a ceder à mediocridade da
indústria cultural brasileira. A qualidade das primeiras edições foi sendo
arranhada aos poucos.
Este ano, a qualidade quase
foi resgatada na íntegra. Além de pratas valorosas daqui, que não são poucas,
ver Margareth Menezes, Milton Nascimento e Caetano Veloso, em um único evento,
será de tirar o chapéu.
Mas nem tudo podia ser
perfeito. No último dia do festival, o estado – constitucionalmente laico –
pagará, com os impostos de todos, inclusive dos ateus, cantores gospels,
encerrando o evento. Ninguém precisava disso. Quem precisasse, com todo o
respeito, que fosse a uma igreja. Há várias alhures.
A praça de show da Chapada é
pública, é profana; e assim deve continuar. No mais, nenhum cidadão deveria ser
constrangido com a exposição pública da crença de ninguém. Aliás, se eu fosse
um religioso excluído dessa programação, exigiria do Estado, da Prefeitura e da
empresa de comunicação o mesmo tratamento, embora sem direito algum, pois
ninguém o tem.
Pombal bem que podia baixar por aqui; depois, que
fosse para onde quisesse.