segunda-feira, 12 de julho de 2021

 

 

O JULGAMENTO  II

 

Logo depois
reiniciou novamente o julgamento
e o senhor promotor
recomeçou dizendo:
- Meritíssima senhora juíza
- Senhores advogados
- Senhoras e senhores do júri
e os demais
senhoras e senhores aqui presentes

... ainda em mil novecentos
e cinquenta e quatro
o réu pela segunda vez
aderiu-se novamente à contravenção
. Apossando-se de um cofre
que era exatamente do seu primo
arrebentou bruscamente a cerâmica
e despedaçando-o
retirou todas as moedas
e gastou-as com balas
para distribuí-las
entre as crianças da rua

... de lá para cá
só Deus sabe o quê mais...

Nisso, a Razão falou:
Meritíssima, eu protesto!
Protesto aceito,
assim disse a Meritíssima Juíza

... e enquanto o Promotor
voltava à sala
como quem tentava
lembrar alguma coisa
O senhor Pensamento
digníssimo doutor advogado
de defesa
- temperou a garganta
e ao mesmo tempo pediu perdão
pelo ato deselegante
E já de pé
se auto-indicava
com o seu próprio dedo
- solicitando a vez

E a meritíssima senhora  juíza
o permitiu a fala
mas, como entre uns e outros
haviam muitos sussurros
mais uma vez ela bateu o martelo
e bradou:

- Silênnnnnnncio!
E tudo calou-se

Então o Pensamento agradeceu
e dando uns dois ou três passos à frente
Parou
reviu algumas anotações
retiradas dos autos
e num tom de sinceridade
começou revelar a verdade mista que
todos os seres da sociedade humana
obviamente possui...

Nenhum ser humano
mesmo quando ainda embrião ou feto
pode ou deve
ser um deserdado dos seus direitos
- Exceto se nalguns deles
for incorrido premeditadamente
a excessividade
Porque segundo a lei das leis
para cada coisa
há realmente um limite

E todos aqueles
que ultrapassarem esse limite
a nossa própria colega de magistério
os abandonará
e eles
ficarão à mercê da justiça humana
coisa que até então se espera
e jamais se viu entre os povos
de todas as nações

Portanto
o que este senhor fez na sua adolescência
é o mesmo que ele gostaria de ter feito
na sua breve juventude
assim como ainda pretende fazer
na sua longa idoneidade
- isso porque se ser fraterno
para com os nossos semelhantes
é o mais correto de todos os deveres
e isso! De cada um de nós

... obrigado
muito obrigado e sentou-se

Mas mesmo assim
o Promotor levantou-se novamente
e revirando algumas páginas
especialmente copiadas dos autos
- tudo baseado em depoimentos anexados
desde mil novecentos
e cinquenta e seis
ergueu os olhos por cima dos óculos
e num olhar geral
virou-se frente a frente
para o corpo de jurado e disse:

Senhoras e senhores
por mais que se tente amenizar os fatos
e aforando-se outras evidências
continua o réu
sendo acusado de matar
e roubar
pelos arredores de onde reside

... as dezesseis e trinta
do dia seis de abril
de mil novecentos e cinquenta e seis
esse homem foi visto
roubando melancia no roçado
que se avizinhava ao de seu pai
... foi perseguido pelos outros meninos
até o final do dia
mas quando o alcançaram
não tinha mais melancia 
... obviamente

E há dezoito de junho desse mesmo ano
ele foi fragado uma vez mais
fazendo armadilhas
e de estilingue na mão
abatendo pintos pelos quintais alheios
- Aí chegou a vez das casinhas
marido e mulher
ou o tradicional exercício
- brincando de mésico...
Nisso aí foi um Deus nos acuda
só se ouvia cochichos por toda parte
Era um don huan
solto nas ruas

E em mil novecentos e sessenta
na sua puberdade
o réu abandonou a inocência
e abraçou a maldade de ser adulto
adúltero de primeira viagem
mas já com todos os requintes
dessa tal civilização moderna.

   

O JULGAMENTO III

 

Nisso a sua advogada de defesa
quís protestar
mas o seu protesto não foi aceito
... E a Meritíssima
mandou que o senhor Promotor
prosseguisse...
Prossiga doutor,
prossiga!

Obrigado Meritíssima Juíza
obrigado!
E o Promotor público
senhor Desejo
- continuou:

Em mil novecentos e sessenta e quatro
estando o réu em Pindaré-Mirim
estado do Maranhão
já não era mais um menino
- Enfiou-se na bebida
e no tabaco
vício que até então o acompanha

Mas além disso
começou a cobiçar a mulher do próximo
principalmente as mais próximas
infelizmente
abraçou também a desobediência!
- Quis enveredar pela heresia
até mesmo incinerando o jornal divino
só pra vê se enricava depressa
- Lascou-se
até hoje é pobre...

Com isso a defesa pediu a palavra
e a Meritíssima a permitiu a parte
e ao ordenar que a Razão falasse
disse:
Restrinja-se às banalidades carnais

Então a defesa falou:
Senhoras e senhores,
todos os jovens
quando exatamente na adolescência
são possuidores desses impulsos

Portanto, este cidadão
não só por ser o meu cliente
mas também um ser humano
humilde e temente a Deus
- é um senhor de princípios
e quase já regenerado
de todas as falhas de que o acusam
inclusive
desses pequenos deslizes
ora revelados pelo ilustre colega

...
nada mais justo
do que sermos normais na juventude
e tudo que este homem quís
foi ser apenas um jovem popular
e nada mais
além do que a juventude quer
Como por exemplo:
Na repressão,
era escolher um presidente honesto
e só

Obrigado
assim disse a Razão
e sentou-se
Logo após pedir licença a todos
e já era um pouco tarde
- Naquela manhã
eu estava na pele dele
sobre aquela maldita cadeira dos réus
pedindo justiça a mim mesmo
para que Deus dos céus
absolvesse-me de tantas culpas
e me deixasse sair
para comer um pouco

Mas o Promotor levantou-se
e dirigindo-se para ele
virou uma página dos autos
que estava datada
de mil novecentos e sessenta e quatro
Mas, como se nada constasse
- ele pôs
atravessado na vertical da boca
o indicador da mão esquerda
e como escora
o polegar no queixo
balbuciando em sussurros   
o esquecimento

E um testemunha ocular do acusado
o reclamou
pelo seu mal procedimento
- Naquele mesmo instante
a Defesa interferiu
e fez a sua queixa
E a Consciência,
Meritíssima Juíza do Quinto Empirio
(Varangélica dos limbos)
e atuante
em todas as varas criminais
que dizem respeito a terceira estância!
Suspendeu a seção
- adiou o julgamento
e por um tempo indeterminado
entrou de recesso a Corte.