segunda-feira, 13 de março de 2023

 PROMESSA DO CRIADOR 

Os 120 Anos da Vida do Homem Em Gênesis 6:3 Deus afirma: ... o meu espírito não agirá para sempre no homem, pois este é carnal; e os seus dias serão 120 anos. O que significariam “anos” no pensamento divino? ... mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi, e como a vigília da noite. (Salmo 90:4 ) Qualquer número de anos atribuído à vida do homem, portanto, denotaria apenas transitoriedade: 120 ou 120.000. É comum se pensar que Deus reduziu a duração da vida do homem para 120 anos, uma vez que Adão teria vivido 930 anos e Noé 950. A meu ver, Deus não limitou a vida do homem a um certo número de anos; ele a definiu. Os números, na Bíblia hebraica, são sobretudo convenções numéricas – princípios de ordenação do cosmos – cujo significado está muito além do seu valor aritmético. Mais que uma contagem, 120 é um ciclo completo e perfeito – uma encadeação ideal para que a consciência que o humano tem da vida e de Deus, resida em seu corpo de pó, sendo que a própria terra – origem e destino do homem – também pertence a Deus . Moisés é o primeiro homem bíblico a viver 120 anos ... e não se lhe escureceram os olhos nem se lhe abateu o vigor. ( Deuteronômio 34:7) . A partir daí, viver até os 120 tornou-se uma bênção no judaísmo, até hoje. No entanto, o que é mais relevante nos 120 anos da vida de Moisés é que ele viveu três ciclos completos de 40 anos. Aos 40 anos, ele matou um algoz e fugiu do Egito; então casou-se, teve filhos e apascentou os rebanhos de seu sogro em Midiã por 40 anos; aos 80, ouviu o chamado de Deus e regressou para liderar os israelitas por 40 anos no deserto, e aos 120, ele os conduziu à Terra Prometida, que vislumbrou à distância. 120 seria, então, uma perspectiva e não um número! Corresponderia a um percurso que compreende três gerações, como lemos no Deuteronômio : ...observes os estatutos e mandamentos que hoje te ordeno – tu, teu filho e teu neto – todos os dias da tua vida , para que os teus dias se prolonguem ( Deuteronômio 6: 2 ) 2 Uma vida longa e produtiva é, sem dúvida, uma das mais importantes bênçãos divinas e seu sentido maior é ver crescer os filhos e os filhos dos filhos, permitindo que a vida deles seja parte da nossa, enquanto nossa vida é parte da deles. ...não pensei em ver-te novamente, e eis que vejo teus filhos ! , diz Jacó a José no Egito, sentindo-se abençoado. (Gênesis 48:11). Na Bíblia hebraica, a vida não precisa ser eterna para ser significativa; o tempo bíblico é cíclico, teocêntrico e não antropocêntrico e linear, como no pensamento ocidental. No pensamento grego, no momento em que nascemos, começamos a nos aproximar da nossa morte . Já na Bíblia hebraica, o tempo progride em ciclos e o homem não caminha linearmente em direção à sua morte; ao contrário, o homem caminha em direção à completude de sua vida, à realização de cada uma de suas etapas. E há um propósito para cada etapa, como nos ensina o Eclesiastes: tempo de plantar e tempo de desenraizar o que foi plantado; tempo de procurar e tempo de desistir; tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de lançar pedras e tempo de recolhê-las; tempo de permanecer calado e tempo de falar; tempo de lutar e tempo de paz. O horizonte da vida, no pensamento bíblico, é a própria vida. Para tudo, há o tempo de nascer e o tempo de morrer. A Bíblia afirma que Abraão morreu velho, avançado em dias, e se foi em boa saciedade ( Gênesis 25:8 ). Esta expressão única e peculiar “boa saciedade”, em hebraico seiváh továh, implica que Abraão estava saciado de vida. Na Bíblia hebraica, a saciedade é uma grande bênção : .... comereis o vosso pão a fartar e vivereis seguros na vossa terra. (Levítico 26:5) .... comerás e te saciarás e louvarás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que te deu. (Deuteronômio 8:10) Em contrapartida, não alcançar a saciedade está elencado no conjunto das maldições que recairão sobre aqueles que caminharem contrariamente a Deus e violarem a sua aliança. .... dez mulheres cozerão o vosso pão num só forno e vo-lo entregarão por peso; comereis , porém não vos fartareis. (Levítico 26:26) Saciedade é a paz da alma, a satisfação e anulação dos desejos que a movem. 3 Animado pelo sopro divino que lhe confere vida ( nishmat chaim ) o humano não possui alma: todo ele é alma, alma vivente ( nefesh chaia , como lemos em Gênesis 2:7) Ambos os termos hebraicos neshamáh e néfesh partilham a ideia básica de respiração, vida e desejo, assim como seus cognatos no acádio, ugarítico e árabe . Em acádio, napashtum significa garganta e vida; o ugarítico npsh designa respiração, apetite, desejo ; em árabe, nafsun é respiração e apetite, e vida, de um modo geral.1 Esse ser-alma, que somos, uma vez livre de todo desejo e vontade, que é sua força motriz, repousa. Por essa razão, talvez, a morte seja laconicamente descrita na Bíblia como repousar junto aos ancestrais. E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em ditosa velhice – diz Deus a Abraão ( Gênesis 15:15 ) . Como vimos, Abraão não apenas deixou esse mundo saciado, mas em boa saciedade. O termo “bom “( tov ) é uma importante palavra–guia na Bíblia hebraica; independentemente do contexto, sempre remete o leitor-ouvinte ao relato inicial da criação : e viu Deus que era bom . O termo “bom”, que denota sanção e aprovação divinas, ocorre 7 vezes no primeiro capítulo do Gênesis, com ênfase especial para o sexto dia de criação quando ...viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom . (Gênesis 1:31) . Uma só vez Deus diz : não é bom ! ( lotov ) em Gênesis 2:18 : ... não é bom que o homem seja só ! A fim de cumprir o número de seus dias e a finalidade de sua vida, a fim de alcançar a terceira geração e transmitir-lhe a torah de Deus, o homem deve ter um contraparte que lhe corresponda. Para cada homem e para cada mulher no mundo, Deus criou um contraparte e a relação que os une reflete a natureza carnal-espiritual dos humanos : o homem adere à sua mulher e são uma só carne . (Gênesis 2:24) o verbo davaq ( que traduzo como aderir e cujo sentido literal é grudar, colar ) também é empregado na Bíblia para designar a aderência do justo a Deus. 1 Wolff, Hans Walter. Anthropology of the Old Testament. Mifflitown , PA: Sigler Press, 1996, p. 14. 4 O emprego desse verbo para designar a aderência do homem à sua mulher alça o ato sexual à esfera espiritual e o torna sublime, não apenas porque restaura a unidade primeva do gênero humano – quando homem e mulher eram um – mas, sobretudo, porque celebra sua união espiritual com Deus. Obviamente, não há menção alguma à reprodução; davaq denota simplesmente amor e devoção. Assim, caminham os humanos pela vida, aos pares; o par passa a ser o unitário, a medida ideal para que o humano cumpra os dias de sua vida. Volto ao homem Abraão, para encontrá-lo em sua tenda, insatisfeito, queixando-se a Deus pelo que ( ainda) não recebeu : Senhor Deus, que me darás, eu caminho pela vida desprovido ....porque a mim não deste descendência ! (Gênesis 15:2-3) Como sua tenda era estreita, o patriarca não podia senão olhar para baixo, para suas mãos vazias; o seu horizonte era o de suas próprias preocupações, que lhe abatiam o ânimo. Porque te curvas, ó minha alma , gemendo dentro de mim ? lamenta o salmista ( Salmo 42-43:6 ) Estreito ( tsar, em hebraico) é um termo importante para o homem bíblico, porque designa opressão, angústia e tribulação – que são vivenciadas através da sensação física de compressão ( i.e., estreitamento ) das paredes do coração, sítio do discernimento, na percepção semita . O coração, oprimido e embotado pela tristeza, torna-se incapaz de discernir. Deus ouve o lamento do patriarca e, conduzindo-o para fora da tenda, lhe diz ... ergue os olhos ! Abraão vê o céu, estrelado, em sua amplitude infinita. Ele pode ver as estrelas; mas poderá contá-las ? Abraão se dá conta, nesse momento, de que essa é a medida do homem em relação a Deus e à sua criação. O horizonte da sua mente se expande; ele compreende e aceita. Deus salvou a consciência de Abraão de seu estreitamento, expandindo-a. O verbo salvar em hebraico ( lehoshí’a) encerra em si o sentido de livrar da opressão, expandir, alargar o que está estreito. No Salmo 91, Deus enuncia o entrelaçamento visceral entre as ideias de salvação, saciedade e vida longa : Porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei ; pô-lo-ei a salvo, porque conhece o meu nome; ele me invocará e eu lhe responderei; na sua angústia ( tsaráh ) , eu estarei com ele, livrá-lo-ei e o glorificarei; saciá-lo-ei com longa vida e lhe mostrarei minha salvação. (Salmo 91: 14 -15) 5 Poderíamos ler ... saciá-lo-ei com 120 anos e lhe mostrarei minha salvação . Bottom line: não se pode desejar mais do que a saciedade; não se pode esperar mais do que a salvação . 120 , então, não é um número, nem uma perspectiva. 120 é uma promessa .



M. M. S. o pensador -