sábado, 28 de janeiro de 2012

O JULGAMENTO II (singular)

Logo depois
reiniciou novamente o julgamento
e o senhor promotor
recomeçou dizendo:
- Meritíssima senhora juiza
- Senhores advogados
- Senhoras e senhores do júri
e os demais
senhoras e senhores aqui presentes

... ainda em mil novecentos
e cinquenta e quatro
o réu pela segunda vez
aderiu-se novamente à contravenção
. Apossando-se de um cofre
que era exatamente do seu primo
arrebentou bruscamente a cerâmica
e despedaçando-o
retirou todas as moedas
e gastou-as com balas
para distribuí-las
entre as crianças da rua

... de lá para cá
só Deus sabe o quê mais...

Nisso, a Razão falou:
Meritíssima, eu protesto!
Protesto aceito,
assim disse a Meritíssima Juiza

... e enquanto o Promotor
voltava à sala
como quem tentava
lembrar alguma coisa
O senhor Pensamento
digníssimo doutor advogado
de defesa
- temperou a garganta
e ao mesmo tempo pediu perdão
pelo ato deselegante
E já de pé
se auto-indicava
com o seu próprio dedo
- solicitando a vez

E a meritíssima senhora  doutora
o permitiu a fala
mas, como entre uns e outros
haviam muitos sussurros
mais uma vez ela bateu o martelo
e bradou:

- Silêêêênciooooooooooooo!
E tudo calou-se

Então o Pensamento agradeceu
e dando uns dois ou tres passos à frente
Parou
reviu algumas anotações
retiradas dos autos
e num tom de sinceridade
começou revelar a verdade mista que
todos os seres da sociedade humana
óbviamente possui

Nenhum ser humano
mesmo quando ainda embrião ou feto
pode ou deve
ser um deserdado dos seus direitos
- Exceto se nalguns deles
for incorrido premeditadamente
a excessividade
Porque segundo a lei das leis
para cada coisa
há realmente um limite

E todos aqueles
que ultrapassarem esse limite
a nossa própria colega de magistério
os abandonará
e eles
ficarão à mercê da justiça humana
coisa que até então se espera
e jamais se viu entre os povos
de todas as nações

Portanto
o que este senhor fez na sua adolecencia
é o mesmo que ele gostaria de ter feito
na sua breve juventude
assim como ainda pretende fazer
na sua longa idoneidade
- isso porque se ser fraterno
para com os nossos semelhantes
é o mais correto de todos os deveres
e isso! De cada um de nós

... obrigado
muito obrigado e sentou-se

Mas mesmo assim
o Promotor levantou-se novamente
e revirando algumas páginas
especialmente copiadas dos autos
- tudo baseado em depoimentos anexados
desde mil novecentos
e cinquenta e seis
ergueu os olhos por cima dos óculos
e num olhar geral
virou-se frente a frente
para o corpo de jurado e disse:

Senhoras e senhores
por mais que se tente amenizar os fatos
e aforando-se outras evidências
continua o réu
sendo acusado de matar
e roubar
pelos arredores de onde reside

... as dezesseis e trinta
do dia seis de abril
de mil novecentos e cinquenta e seis
esse homem foi visto
roubando melancia no roçado
que se avizinhava ao de seu pai
... foi perseguido pelos outros meninos
até o final do dia
mas quando o alcançaram
não tinha mais melancia
óbviamente (................................)

E há dezoito de junho desse mesmo ano
ele foi fragado uma vez mais
fazendo armadilhas
e de estilingue na mão
abatendo pintos pelos quintais alheios
- Aí chegou a vez das casinhas
marido e mulher
ou o tradicional exercício
- brincando de mésico...
Nisso aí foi um Deus nos acuda
só se ouvia cochichos por toda parte
Era um don juan
solto nas ruas

E em mil novecentos e sessenta
na sua puberdade
o réu abandonou a inocência
e abraçou a maldade de ser adulto
adúltero de primeira viagem
mas já com todos os requintes
dessa tal civilização moderna.