A GESTA DAS MATRIARCAS EM ISRAEL
Ao escolher para
tema de ensaio Israel no tempo dos Patriarcas, do chamado Mundo Pré-clássico,
tinha em vista debruçar-me sobre a ação das suas respectivas mulheres: Sara,
Rebeca e Raquel. Sempre me fascinou a leitura dessas narrativas e chegava
sempre à mesma conclusão: estes patriarcas são muito pouco patriarcais. As suas
mulheres é que decidem e lhes indicam o que devem fazer. Não seria mais
adequado chamar também, a esse tempo, o tempo das matriarcas?
Tentarei mostrar o
papel fundamental das mulheres – destas mulheres – nas “narrativas de origem”
do Povo de Israel: o Tempo da Promessa. Antes, porém, convém apontar os
conceitos de História e de Teologia narrativa, como pressupostos de leitura.
PRESSUPOSTOS
As Escrituras na
Bíblia, nomeadamente, no Pentateuco – conjunto dos primeiros cinco livros:
Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio – oferece um quadro de
história completamente delineado pela fé e, por isso, de índole confessional.
O modo como a fé
entende os acontecimentos históricos tem características próprias: uma grande
parte destas tradições de Israel devem ser consideradas poesias, sendo, assim,
produto de uma clara intenção artística. No entanto, para os povos antigos, a
poesia é muito mais do que um simples jogo estético: é a expressão de um desejo
insaciável de conhecer os acontecimentos históricos e naturais do mundo
circundante. Só a poesia se prestava a falar das experiências da história do
povo de forma a atualizar, plenamente, o seu passado.
Até ao séc. VI a.C.,
não se podia prescindir da poesia na concepção de história. A fé (não só a fé
de Israel) precisa dela porque, nestes materiais da tradição, não é possível
desligar o acontecimento histórico da interpretação teológica que os atravessa
em todos os sentidos.
No caso de Israel,
este tipo de narrações tem uma relação indireta com a realidade histórica,
tendo, no entanto, um contato muito imediato com as verdades da fé israelita.
Os acontecimentos para a salvação eram atuais em todas e para todas as gerações
futuras com uma atualidade indiscutível que, hoje, é difícil explicar com exatidão.
Como disse Georg
Fohrer, «o Antigo Testamento não procura apresentar objetivamente a história, pois os fatos
históricos como tais representariam apenas insignificantes abstrações para os
israelitas. Tais relatos constituem muito mais o fundamento de uma
interpretação religiosa e teológica, ligando-se a ela. O fato histórico e a sua
interpretação estão indissoluvelmente ligados e dependentes entre si.
Na realidade, a
história não é narrada por si mesma, mas pela interpretação religiosa e
teológica do relato».
É histórico
determinado evento que se torna problemático concretizar e se encontra na
obscura origem da tradição respectiva. Porém, também é histórica a experiência
de que YHWH transforma a maldição do inimigo em bênção e mantém a sua promessa
apesar das faltas do destinatário.
Como também disse W.
Dilthey, «a poesia não é a cópia de uma realidade preexistente...; a arte é uma
força capaz de produzir um conteúdo que transcende a realidade e não pode
traduzir-se em ideias abstratas; é um poder que cria uma nova visão do mundo».
Posto isto,
constatamos a dificuldade em distinguir, através dos conceitos atuais de
história e de teologia, onde termina uma e começa a outra. Pelo contrário, estão
de tal maneira entretecidas que, facilmente, tomamos uma pela outra
A meu ver, o
importante é ter sempre presente, ou que estamos perante um tecido feito com
fios de história e com fios de teologia.
Nestas narrativas –
Gênesis 12-35 – podemos ler as origens de um povo e da sua fé. A história deste
povo é inaugurada com um homem que acredita, assim como a sua família, no Deus
que aceita ser chamado “seu Deus” e que permanecerá o “Deus de Abraão”, mesmo
quando a sociedade e o pensamento de Israel se encontrarem já muito afastados
destas imagens arcaicas.
Portanto, ainda
hoje, somos convidados a ler, nestes começos inacessíveis, a nossa própria
origem, o início do devir para todos os que se põem a caminho porque ouvem um
apelo de Deus. É por isso que só um leitor que se sinta implicado nestas
narrativas é capaz de atingir o seu verdadeiro sentido.
TEMPO DA PROMESSA: Gênesis 12-25.
Uma terra, uma aliança, uma posteridade
Hoje em dia, os exegetas situam a redação destes capítulos das Escrituras na Bíblia, bastante tardiamente, por volta dos sécs. VI e V a.C.. Pelo seu contexto literário e pela sua configuração, consideram-na posterior à historiografia deuteronomista.
Como já foi
esboçada, em termos de narrativa bíblica, a origem do povo de Israel assenta na
“história” de um homem – Abraão – que obedece à ordem de Deus (YHWH) para sair
da sua terra, pois acredita que a Promessa feita no seguimento dessa ordem será
cumprida:
- promessa de
paternidade de um povo (12,2)
- promessa de uma
nova relação com Deus (aliança/bênção: 12,3)
- promessa de uma
terra dada à sua descendência (12,7).
Esta Promessa
tridimensional é o arcabouço que suporta e unifica todo o material da tradição
reunido nestas grandes composições narrativas.
A Promessa faz da
época dita patriarcal a instituição destinada a preparar, cuidadosamente, o
nascimento e a vida do povo de Deus.
Vejamos como fica
isto em Israel.
Vamos, então, tentar
ver como as suas mulheres amadas assumiram a fé na Promessa.
Para tal, seguirei a
sequência dos capítulos 12-35: Sara/Abraão, Rebeca/Isaac e Raquel/Jacó. (Israel).
A. SARA, Gênesis 12-23
Sara é apresentada como uma mulher muito bonita e Abraão tem consciência disso, o que o leva, por duas vezes (12, 11-13; 20, 1-13), a pedir-lhe que se faça passar por sua irmã. E isto porque teme pela sua vida, sabendo os outros que era sua mulher. Sara aceita, sem reservas, ser a garantia da sobrevivência do seu marido.
Estará ela de tal
maneira possuída pela fé na Promessa que não hesita em ser o escudo do eleito
de Deus?
O certo é que não só
lhe salvou a vida como foi causa do seu enriquecimento material, podendo,
assim, voltar para a terra que Deus lhe indicara (12; 16. e 20; 14).
A fé de Abraão não
visa o seu presente, mas uma realidade futura. No entanto, para que haja
futuro, é imprescindível que algo aconteça já. Algo que demora a chegar: um
filho.
Sara é estéril e
Abraão nada faz senão questionar (YHWH) Deus (15, 2, 5) e esperar.
É ela que toma a
iniciativa de “apressar” o cumprimento da promessa de uma descendência: Vê, eu
te peço: (YHWH) Deus não permitiu que eu desse à luz. Toma, pois, a minha
serva. Talvez, por ela, eu venha a ter filhos. E Abraão ouviu a voz de Sara
(16, 1-4).
Perante a
sobranceria da serva grávida, Sara sente-se humilhada, acusa o marido pela
injúria de que é alvo e convoca Deus (YHWH) como juiz entre eles (16,5). Abraão
dá-lhe liberdade absoluta para fazer o que bem entender. Sara de mais nada
precisa: maltrata a serva a ponto de a “obrigar” a fugir (16, 6), embora
regresse mais tarde.
Entretanto, Deus (YHWH)
reforça a Promessa, a promessa de fazer de Abraão o pai de uma multidão, o
destinatário da aliança e da sua descendência o possuidor da terra que habita
(17, 1-14). Sara é envolvida, explicitamente, neste reforço. Deus (YHWH)
muda-lhe o nome – como já tinha feito a Abraão (17, 5) – pois chamava-se Sarai.
Abençoa-a e renova, mais uma vez, a Promessa a partir dela: dela te darei um
filho... ela se tornará nações... dela sairão reis e povos (17; 15,16).
Este envolvimento só
podia provocar riso, pois Deus (YHWH) estava a revelar-se como um Deus cheio de
humor: um homem velho, uma mulher velha, conceberem? Só podia ser brincadeira.
Aliás, Sara tem a
mesma reação quando se apercebe, também, como alvo de eleição, como
destinatária e veículo da Promessa. Desta vez, para cúmulo, o seu cumprimento
não é apresentado num futuro indeterminado, mas em data marcada: no próximo ano
(18; 9,15).
Brincadeira à parte,
a promessa cumpriu-se no tempo previsto: Deus (YHWH) visitou Sara, como
dissera, e fez por ela como prometera. Sara concebeu e deu à luz um filho a
Abraão já velho, no tempo que Deus tinha marcado... Isaac (21; 1,3).
Ao ver crescer seu
filho juntamente com o da sua serva, novos receios a invadem. Serão os dois
herdeiros da Promessa? Mas só ela e não a serva foi abençoada e escolhida para
dar início à sua realização. Não pode ficar de braços cruzados. Vê, apenas, uma
solução: expulsar a serva com o filho.
Em Sara, a ação
acompanhava sempre o pensamento e isto mesmo pediu a Abraão que ficou muito
infeliz (21, 8-11). Deus (YHWH), no entanto, tranquilizou-o, pois o que
parecia, à primeira vista, uma desgraça não o era.
Sara tinha razão.
Ele não tinha mais do que fazer tudo o que ela lhe pedisse porque ela via para
além dos acontecimentos (21; 12,14).
Sara volta a ser
referida por ocasião da sua morte (23, 1, 2, 19) e uma última vez, depois de
Isaac ter amado Rebeca. Este amor consolou-o da morte de sua mãe (24; 67).
Não há dúvida que os
narradores destes textos não estão interessados na fé de Sara, mas tão só na de
Abraão (por exemplo, em Gênesis 22 – um texto fundamental para provar a fé de
Abraão – Sara não é tida nem achada).
Porém, o seu marido
reconhece a autoridade dela sobre a situação em várias ocasiões como foi
apontado.
REBECA Gênesis 24-28
Embora Isaac seja o
herdeiro das grandes promessas de Deus a Abraão e à sua posteridade (17,91-21),
a sua história é breve e parca de acontecimentos exteriores. Podemos, pois,
considerá-lo como “figura de transição” a quem pertence a responsabilidade de
transmitir a Promessa.
Uma leitura
apressada da brevíssima descrição a seu respeito pode levar a pensar que se
trata de uma personalidade passiva, visto que foram sempre os outros a decidir
no que lhe diz respeito (sacrifício, pedido de casamento, engano na transmissão
da bênção...). Esta conclusão é, também, facilitada pela personalidade enérgica
da sua mulher, Rebeca.
De fato, Rebeca é a
atriz principal desde o primeiro momento. Mesmo antes de ser conhecida, na
preparação do plano de casamento de Isaac, é-lhe atribuído o poder de decisão
de abandonar ou não a casa de seu pai (24, 5-8. 39-41), enquanto ele é
esquecido completamente: ninguém se preocupa em saber o que pensa ou o que
pretende.
Depois de ser
reconhecida como a “indicada” por Deus (24, 11-21. 42-48), toma a iniciativa de
providenciar pousada em sua casa, sem saber de quem se trata (24, 23-27).
Perante o motivo que
trouxera aquele estranho, o “chefe de família”, irmão de Rebeca, aceita o
pedido de casamento, mas reclama um tempo de espera. Face à urgência do
regresso e, consequentemente, à recusa desse tempo de espera, remetem para ela
a decisão final. Rebeca não hesita em partir imediatamente e ninguém interfere
(24, 56-61).
Para além da
capacidade de iniciativa, de ação, Rebeca tinha mais duas marcas que a tornam
muito semelhante a Sara: era muito bonita e estéril.
A beleza levou-a a
sentir na pele a mesma experiência de Sara: passou por irmã de seu marido,
pelas mesmas razões, que também assumiu pessoalmente, e com as mesmas
consequências (26, 7-13).
Na esterilidade não
teve de recorrer às escravas porque Isaac implorou por ela a Deus (YHWH) e foi
ouvido. Rebeca ficou grávida (25, 20-21).
Porém, a sua
gravidez não foi normal. Sentia algo estranho dentro dela que, num primeiro
momento, a levou a desejar a morte (25, 22a). Mas depressa ultrapassa a
angústia e virou-se para Deus (YHWH), consultando-o (25, 22b). Uma vez mais Deus
(YHWH) atendeu e mostrou-lhe o que estava a acontecer. Revelou-lhe os seus
insondáveis desígnios, o que ela assumiu sem reservas: Isaac preferia Esaú (o
primeiro)... mas Rebeca preferia Jacó (25, 23-28).
Ao sentir a morte a
aproximar-se, Isaac chamou Isaú, seu filho mais velho, e pediu-lhe uma boa
refeição com o produto da caça para, em seguida, o abençoar.
Rebeca sempre
atenta, sempre no lugar certo e na hora oportuna, ouviu as intenções de seu
marido (27, 1-5).
As “revelações” que
recebera durante a gravidez nunca tinham caído no esquecimento e, agora,
ganharam sentido. Chegara o momento de perceber que o seu cumprimento passava
por ela. Não perde tempo. Chama, imediatamente, Jacob, conta-lhe as intenções
do pai e traça um plano de ação para que este se antecipe ao seu irmão a fim de
receber a bênção que lhe estava destinada (27, 6-10).
Perante os receios
de Jacob, a mãe assume, pessoalmente, todas as maldições, no caso de existirem,
e executam o plano traçado (27,11-71).
Tudo correu como o
previsto e Isaac, apesar da emoção forte, não mostrou grande pesar ao constatar
o engano: o que fiz está feito, não posso voltar atrás (27, 30-40).
Não aconteceu o
mesmo com o irmão que procurou vingar-se. Ao saber disto, Rebeca toma, de novo,
o comando da situação, planeando a fuga com o estratagema do casamento (27, 41).
Isaac não descobre
os verdadeiros receios de sua mulher e aceita, plenamente, a sua versão, dando ordens
a Jacó nessa mesma linha, tal como Rebeca
esperava, isto é, a mãe transforma a fuga de Jacó em cumprimento da ordem de
seu pai (28; 1, 5).
Rebeca termina,
assim, as suas funções de matriarca, obtendo a bênção para o seu preferido e
salvando-lhe a vida, garantindo que a Promessa feita a Abraão se perpetuasse.
RAQUEL Gênesis 29; 35.
A vida de Jacó
poderia, facilmente, ser incluída no género literário “Aventura”. Tem de fugir
à ameaça de vingança do seu irmão Esaú; compromete-se a trabalhar sete anos
para poder casar com a jovem amada (Raquel); é enganado pelo sogro que lhe dá a
mais velha e, para não renunciar à desejada, terá de trabalhar mais sete anos;
luta com Deus e, finalmente, regressa à sua terra através de nova fuga. É uma
“história” de fraudes, mas também a do homem que se sente protegido por Deus
(28; 10) e que, por sua vez, se ocupa de Deus, lutando com Ele para ser
abençoado. Luta que o ligou de tal modo e para sempre, a Deus, a si próprio e
ao povo a quem deu o nome que Deus lhe dera: Israel (32; 22).
Apesar de tudo isto
ou por causa de tudo isto, percebe-se que estamos perante um homem
profundamente crente, cuja oração é de grande valor teológico, que nunca tinha
sido atingido. Além do valor teológico, esta oração é como que o ponto
aglutinador das “histórias” dos três patriarcas: Abraão, Isac e Jacó (32,
01-13) (10).
Raquel é a sua amada
por excelência, desde a primeira hora. No entanto, tem de pagar um alto preço
para fazer dela sua mulher: é ludibriado e obrigado a dobrar o tempo de
contrato (29, 18-30).
Como as suas
“antecessoras”, é estéril. A sua estratégia é semelhante à de Sara, começando
por dar a sua serva a Jacó para deles obter filhos (30, 1-8), passando pelo ato
de pagar a sua irmã Lia para conceber mais um filho em seu nome (30, 14-15).
Por fim, Deus (YHWH) lembrou-se de Raquel: ele ouviu-a e tornou-a fecunda. Deu
à luz José por meio do qual dizia: Deus retirou a minha vergonha... e que Deus
(YHWH) me dê outro (30, 22-24).
Quando Jacó percebe
que é alvo de invejas e ódios, decide fugir, depois de ouvir o Anjo de Deus
(31, 11-12) e confia o seu plano a Raquel e Lia que o assumem, porque percebem
que está de acordo com a Promessa de Deus (YHWH) (31, 1-18).
Raquel, porém, antes
de sair de casa de seu pai, rouba-lhe os “deuses domésticos”. Embora o texto
bíblico seja muito lacónico, a literatura rabínica é vasta na interpretação
deste episódio.
São cinco os
versículos que relatam o sucedido: Raquel roubou os ídolos domésticos que
pertenciam ao seu pai (31, 19); Labão pergunta a Jacó, por que roubaste os meus
deuses? (31, 30); Jacó ignorava que Raquel os tivesse roubado (31, 32); Raquel
tomara os ídolos domésticos, pusera-os na sela do camelo e sentara-se por cima
(31, 34); Labão procurou e não encontrou os ídolos (31, 35).
Inclino-me para a
interpretação, segundo a qual, Raquel já tinha percebido que não tinham valor
perante Deus (YHWH), o “Deus dos pais” de Jacó e, por isso, quis ajudar Labão a
desligar-se da idolatria, da feitiçaria e da magia. Quando aceita a saída da
sua terra tem consciência que estão a obedecer à ordem de Deus (YHWH) (31, 16).
Por outro lado,
também faz sentido, para mim, que Raquel, mais audaciosa que Lia, roubasse o
que lhe pertencia por direito – mesmo já não tendo valor religioso – dado que
seu pai as tratava como estrangeiras (31, 15) e os terá fim deviam ser
transmitidos ao herdeiro, segundo o costume.
Seja qual for a
interpretação, não há dúvida que se trata de um gesto arrojado e consciente.
Raquel é referida
pela última vez no momento em que, simultaneamente, dá à luz o seu segundo
filho e morre (35, 16-20).
GESTÃO DAS MATRIARCAS?
Se as Matriarcas souberam tornar-se disponíveis, vigilantes, à voz de Deus que apela à ruptura, então, a Promessa, longe de ser apanágio dos homens, sob o cuidado e o dever, exclusivamente, masculinos, está ligada, em cada etapa da sua realização, à sublimidade do casal humano, à esperança da santidade de ambos.
Graças às suas
Matriarcas, Israel chega a ser um povo numeroso e abençoado. Sara assegura a
herança de Isac em face à ameaça de Ismael. Rebeca torna possível que Jacó
obtenha a bênção. Raquel, rivalizando com Lia para darem filhos a Jacó, edifica
a casa de Israel.
Para além de todas
elas serem as esposas amadas e mulheres ativas que assumem a condução da
família, muitas vezes sobrepondo-se aos maridos, têm ainda uma outra
característica comum: são estéreis.
Nas narrativas de
origem é fundamental que a fecundidade esteja ligada à divindade. Os
descendentes, os destinatários da Promessa, não podem ser engendrados pela
simples vontade humana. É necessária a ação direta de Deus. Ora, é preciso que
a mulher seja reconhecida como estéril – uma vida a tentar conceber – para se
perceber, existencialmente, que só o poder divino seria capaz de fazer nascer o
filho da Promessa.
Sara morreu de
velhice; da morte de Rebeca nada é dito; a morte de Raquel não poderá ligar-se
à esperança de uma unificação dos filhos de Jacob/Israel, visto que aconteceu,
precisamente, no parto do décimo segundo filho, completando, assim, as doze
tribos de Israel?
Conclusão
A gesta
patriarcal/matriarcal conta os caminhos imprevisíveis e desconcertantes dos
antigos com a sua parte de sombra e luz. É feita de tudo o que pode acontecer
entre o nascimento e a morte: amores, casamentos, invejas e ódios entre irmãos,
fraudes...
Se estas narrativas
falam aos crentes não é, apenas, por causa da humanidade que os habita. No
conjunto formado pelo Pentateuco, têm a originalidade de pôr em cena
personagens singulares e de contar experiências individuais de crentes, homens
e mulheres. Sara/Abraão, Rebeca/Isaac e Raquel/Jacob(Israel) vivem experiências
humanas e religiosas que podem servir de referência a cada um dos crentes. Por
isso, as suas vidas, como objeto de escrita, surgem numa época bastante tardia
e como narrativas são remetidas para a origem de um Povo que nasce da fé sem
Lei, (embora se organize como povo a partir da lei sinaítica); de um Povo que,
antes de ter uma lei, se apoia em Deus (YHWH). Em hebraico, crer, ter fé,
significa apoiar-se, fiar-se.
Irmão messias