POETA MÁRIO GOMES – O ETERNO
POETA MÁRIO GOMES – O ETERNO
O poeta Mário Gomes morreu há sete anos, no último dia de 2014. E agora seu espectro nas madrugadas ressurge de terno branco, gravata borboleta, flor na lapela, camisa imaculada, calça de vinco e sapato de duas cores. Outras vezes vem ao convívio trazendo os estragos do seu corpo enrugado, com paletó de mangas encardidas, lenço desarrumado e frouxo no pescoço, cós e palas puídas, calçados desgastados pelo uso e descuido recorrentes, copo na mão, cigarro entre os dedos, em maltrapilha elegância.
No entanto, mesmo bêbado, com sua postura enviesada
e plena de esgares, alcança a calçada e caminha impávido, como se não tivesse
ingerido uma adega. O vento lhe eriça os cabelos, mas, imune às avarias dos
sopros, o marginal aos cânones se mantém impassível e sem dar ouvidos às
buzinas de alguns motoristas surpresos com sua aparição, como se possuísse o
prodigioso poder de milagrosamente conter o fluxo do trânsito. Embora tosco nos
trajes e desaprumado no andar, o escritor conserva a majestade absolutista de
um rei bufão que contraria pompa e circunstância para enfrentar as agonias das
agruras feito um ser invencível. Em trapos, mas tendo por sobre os ombros o
imperceptível manto dos imortais, transcende o flagelo e se achega.
O boêmio bebe a noite, embriaga-se de estrelas ao
luar de uma lua liquida em pleno plenilúnio. E a lua,então, lhe ilumina a
garganta de onde poemas aluados se desencantam enluarados e vêm, enfim, à luz
de sua voz anacrônica em dicção de galã para anunciar que nalgum outro lugar e
em algum outro quando outra vez e sempre em poesia há de vir. E virá.
Mário é monumento em movimento, imorredouro e
redivivo, que se regenera , se reanima e se desdobra no tempo.
- ricardo guilherme