Os Hábitos dos Indivíduos
PARTE UM
O LOOP DO HÁBITO - Como os hábitos funcionam I. No outono
de 1993, um homem que mudaria radicalmente muito do que pensamos sobre os
hábitos entrou num laboratório em San Diego para uma consulta previamente
marcada. Era um senhor idoso, pouco mais de 1,80 metro de altura, bem-alinhado
numa camisa azul de botão. Seus cabelos brancos espessos teriam causado inveja
em muitos reencontros de cinquenta anos de formatura. A artrite o fazia mancar
de leve enquanto percorria os corredores do laboratório segurando a mão da
mulher, andando devagar, como se receoso do que cada novo passo traria. Cerca
de um ano antes, Eugene Pauly, ou “E.P.”, como ele ficaria conhecido na
literatura médica, estava em sua casa em Playa del Rey, preparando-se para o
jantar, quando sua mulher mencionou que o filho deles, Michael, estava vindo
visitá-los. “Quem é Michael?”, perguntou Eugene. “Seu filho”, disse a mulher,
Beverly. “Aquele que nós criamos, sabe?” Eugene olhou para ela com um olhar
vazio. “De quem você está falando?”, perguntou. No dia seguinte, ele começou a
vomitar e se contorcer de cólica abdominal. Dentro de 24 horas, sua
desidratação estava tão grave que Beverly, em pânico, o levou ao pronto-socorro.
Sua temperatura começou a subir, atingindo 40 graus enquanto ele transpirava,
formando uma mancha amarela de suor nos lençóis do hospital. Ele ficou
delirante, depois violento, gritando e empurrando quando as enfermeiras
tentavam dar uma injeção intravenosa em seu braço. Só depois de sedá-lo é que
um médico conseguiu cravar uma agulha comprida entre duas vértebras da base de
sua coluna e extrair umas poucas gotas de líquido cefalorraquidiano. O médico
que realizou o procedimento percebeu na mesma hora que havia um problema. O
fluido ao redor do cérebro e dos nervos espinhais é uma barreira contra
infecções e ferimentos. Em indivíduos saudáveis, ele é translúcido e corre
rapidamente, movendo-se num fluxo quase sedoso através de uma agulha. A amostra
da coluna de Eugene era turva e pingava devagar, como se estivesse cheia de
sujeira microscópica. Quando os resultados voltaram do laboratório, os médicos
de Eugene descobriram por que ele estava doente: estava sofrendo de encefalite
viral, uma doença relativamente comum que causa feridas, bolhas e infecções
leves na pele. Em casos raros, no entanto, o vírus pode traçar um caminho até o
cérebro, provocando lesões catastróficas conforme devora as delicadas dobras de
tecido onde nossos pensamentos, sonhos — e, de acordo com alguns, nossas almas
— residem. Os médicos de Eugene disseram a Beverly que não havia nada que eles
pudessem fazer para reverter o estrago já feito, porém uma grande dose de
medicamentos antivirais talvez evitasse que o vírus se espalhasse. Eugene
entrou em coma e durante dez dias esteve à beira da morte. Aos poucos, conforme
as drogas foram combatendo a doença, sua febre baixou e o vírus desapareceu.
Quando ele finalmente acordou, estava fraco e desorientado, e não conseguia
engolir direito. Não conseguia formar frases e às vezes ficava ofegante, como
se tivesse esquecido momentaneamente como se respira. Mas ele estava vivo. Por
fim, Eugene estava bem o bastante para passar por uma bateria de testes. Os
médicos ficaram surpresos ao descobrir que seu corpo — incluindo seu sistema
nervoso — parecia em boa parte ileso. Ele conseguia mexer os membros e reagia a
sons e luzes. Tomografias cerebrais, no entanto, revelaram sombras nefastas
próximas do centro de seu cérebro. O vírus destruíra um trecho oval de tecido
perto de onde o crânio encontrava a coluna vertebral. “Talvez ele não seja mais
a pessoa que você lembra”, um dos médicos avisou a Beverly. “Você precisa estar
preparada caso o seu marido não exista mais.” Eugene foi transferido para outra
ala do hospital. Dentro de uma semana, já engolia com facilidade. Mais outra
semana e ele começou a falar normalmente, pedindo gelatina e sal, mudando de
canal na televisão e reclamando das novelas chatas. Quando foi enviado a um
centro de reabilitação cinco semanas depois, Eugene andava pelos corredores e
oferecia aos enfermeiros conselhos não solicitados sobre seus planos para o fim
de semana. “Acho que nunca vi alguém voltar desse jeito”, um médico disse a
Beverly. “Não quero alimentar suas esperanças, mas isso é surpreendente.”
Beverly, no entanto, continuava preocupada. Na clínica de reabilitação, ficou
claro que a doença havia alterado seu marido de modos perturbadores. Por
exemplo, Eugene era incapaz de lembrar que dia da semana era, ou os nomes de
seus médicos e enfermeiros, por mais vezes que eles se apresentassem. “Por que
eles não param de me fazer todas essas perguntas?”, ele perguntou a Beverly um
dia, depois que um médico saiu de seu quarto. Quando finalmente voltou para
casa, as coisas ficaram ainda mais estranhas. Eugene não parecia se lembrar dos
amigos deles. Tinha dificuldade de acompanhar conversas. Às vezes, de manhã,
saía da cama, andava até a cozinha, fritava bacon e ovos para comer, depois
voltava para debaixo das cobertas e ligava o rádio. Quarenta minutos depois,
fazia a mesma coisa: levantava, fritava bacon e ovos, voltava para a cama e
mexia no rádio. Depois fazia tudo de novo. Assustada, Beverly procurou a ajuda
de especialistas, entre os quais um pesquisador da Universidade da Califórnia,
em San Diego, especializado em perda de memória. E foi assim que, num dia
ensolarado de outono, Beverly e Eugene se viram num prédio indistinto no campus
da universidade, lentamente caminhando de mãos dadas por um corredor. Eles
foram conduzidos a uma pequena sala de exames. Eugene começou a conversar com
uma moça que estava usando um computador. “Trabalhei com eletrônica ao longo
dos anos e fico impressionado com tudo isso”, ele disse, apontando para a
máquina em que ela estava digitando. “Quando eu era mais novo, essa coisa teria
sido instalada em dois suportes de 1,80 metro, ocupando essa sala inteira.” A
mulher continuou digitando. Eugene deu uma risadinha. “Isso é incrível”, ele
disse. “Todos esses circuitos impressos e díodos e tríodos. Na época em que eu
trabalhava com eletrônica, teria dois suportes de 1,80 metro segurando essa
coisa.” Um cientista entrou na sala e se apresentou. Perguntou a Eugene que
idade ele tinha. “Oh, vejamos, 59 ou 60?”, Eugene respondeu. Ele tinha 71 anos.
Os cientistas começaram a digitar no computador. Eugene sorriu e apontou para a
máquina. “Isso é mesmo formidável”, ele disse. “Sabe, quando eu trabalhava com
eletrônica, teria dois suportes de 1,80 metro segurando essa coisa!” O
cientista era Larry Squire, 52 anos, um professor que passara as últimas três
décadas estudando a neuroanatomia da memória. Sua especialidade era explorar
como o cérebro armazena acontecimentos. Seu trabalho com Eugene, no entanto,
logo lhe revelaria um novo mundo e para centenas de outros pesquisadores que
remodelaram nossa compreensão de como os hábitos funcionam. Os estudos de
Squire mostrariam que mesmo alguém incapaz de lembrar sua própria idade ou de
quase qualquer outra coisa pode desenvolver hábitos que parecem
inconcebivelmente complexos — até você perceber que todo mundo depende de
processos neurológicos semelhantes todos os dias. A pesquisa dele e dos outros
ajudaria a revelar os mecanismos subconscientes que impactam as inúmeras
escolhas que parecem ser fruto de um pensamento racional, mas na verdade são
influenciadas por impulsos que a maioria de nós mal reconhece ou compreende.
Quando Squire conheceu Eugene, já fazia semanas que ele vinha estudando imagens
de seu cérebro. Os exames indicavam que quase toda a lesão dentro do crânio de
Eugene se limitava a uma área de 5 centímetros perto do centro da cabeça. O
vírus destruíra quase inteiramente seu lobo temporal medial, uma faixa de
células que os cientistas suspeitavam ser responsável por todo tipo de tarefa
cognitiva, tais como a lembrança do passado e a regulação de algumas emoções. A
totalidade da destruição não surpreendeu Squire — a encefalite viral consome
tecido com uma precisão cruel, quase cirúrgica. O que o deixou chocado era como
as imagens pareciam familiares. Trinta anos antes, quando era doutorando no
MIT, Squire trabalhara junto com um grupo que estudava um homem conhecido como
“H.M.”, um dos pacientes mais famosos da história da medicina. Quando H.M. —
seu nome verdadeiro era Henry Molaison, mas os cientistas protegeram sua identidade
ao longo de toda a sua vida — tinha 7 anos, foi atropelado por uma bicicleta e
caiu, batendo a cabeça com força. Logo em seguida, passou a ter ataques
epiléticos e começou a desmaiar. Aos 16 anos, teve sua primeira crise
tônico-clônica, o tipo de convulsão que afeta o cérebro inteiro; em pouco
tempo, ele estava perdendo a consciência até dez vezes por dia. Quando
completou 27 anos, H.M. estava desesperado. Os medicamentos anticonvulsivos não
tinham ajudado. Ele era inteligente, mas não conseguia permanecer num emprego.
Ainda morava com os pais. H.M. queria levar uma vida normal. Por isso procurou
a ajuda de um médico cuja tolerância com experimentos era maior que seu medo de
cometer um erro médico. Estudos haviam sugerido que uma área do cérebro chamada
hipocampo talvez exercesse um papel nos ataques epiléticos. Quando o médico
propôs fazer uma incisão na cabeça de H.M., levantar a seção frontal de seu
cérebro e, com um pequeno canudo, sugar de dentro de seu crânio o hipocampo e
parte do tecido ao redor, H.M. deu seu consentimento. A cirurgia aconteceu em
1953, e quando H.M. se recuperou, seus ataques epiléticos diminuíram. Quase de
imediato, no entanto, ficou claro que seu cérebro tinha sido alterado
radicalmente. H.M. sabia seu nome e que sua mãe era irlandesa. Lembrava da
queda da bolsa de 1929 e de noticiários sobre a invasão da Normandia. Mas quase
tudo o que veio depois — todas as lembranças, experiências e esforços da maior
parte da década antes da cirurgia — tinha sido apagado. Quando um médico
começou a testar a memória de H.M. mostrando-lhe cartas de baralho e listas de
números, ele descobriu que H.M. era incapaz de reter qualquer informação nova
por mais de uns vinte segundos. Desde o dia de sua cirurgia até sua morte em
2008, cada pessoa que H.M. encontrava, cada música que ouvia, cada sala em que
entrava era uma experiência completamente nova. Seu cérebro tinha congelado no
tempo. Todo dia, ele ficava perplexo com o fato de que alguém podia mudar o
canal de televisão apontando um retângulo preto de plástico para a tela. Ele se
apresentava repetidamente para os médicos e enfermeiras, dezenas de vezes por
dia. “Eu adorava aprender sobre H.M., pois a memória parecia um jeito tão
palpável e instigante de estudar o cérebro”, Squire me disse. “Cresci em Ohio,
e ainda lembro, na primeira série, da minha professora distribuindo gizes de
cera para todo mundo, e comecei a misturar todas as cores para ver se ia dar
preto. Por que guardei essa memória, mas não consigo lembrar o rosto da
professora? Por que meu cérebro decide que uma memória é mais importante que
outra?” Quando Squire recebeu as imagens do cérebro de Eugene, ficou espantado
com a semelhança entre aquele cérebro e o de H.M. Havia pedaços vazios, do
tamanho de nozes, no meio da cabeça de ambos. A memória de Eugene — assim como
a de H.M. — tinha sido removida. Conforme Squire começou a examinar Eugene, no
entanto, viu que aquele paciente era diferente de H.M. em alguns aspectos
cruciais. Enquanto quase todo mundo percebia, minutos após conhecer H.M., que
havia alguma coisa muito estranha, Eugene conseguia travar conversas e realizar
tarefas que não alertariam um observador casual de que havia algo errado. Os
efeitos da cirurgia de H.M. tinham sido tão debilitantes que ele passou o resto
da vida internado. Eugene, por outro lado, morava em casa com a mulher. H.M.
não conseguia travar conversas de verdade. Já Eugene tinha a habilidade
impressionante de conduzir quase qualquer diálogo para um tema que ele ficasse
à vontade para discutir longamente, tal como satélites — ele trabalhara como
técnico para uma empresa aeroespacial — ou as condições climáticas. Squire
começou a examinar Eugene perguntando a ele sobre sua juventude. Eugene falou
da cidade onde crescera no centro da Califórnia, do tempo que servira na
marinha mercante, de uma viagem que fizera à Austrália quando era jovem.
Lembrava da maior parte dos acontecimentos de sua vida que tinham se passado
antes de cerca de 1960. Quando Squire perguntava sobre décadas posteriores,
Eugene educadamente mudava de assunto e dizia que tinha dificuldade de lembrar
de alguns acontecimentos recentes. Squire realizou alguns testes de
inteligência e descobriu que o intelecto de Eugene ainda era aguçado para um
homem incapaz de se lembrar das três últimas décadas. Além disso, ele ainda
tinha todos os hábitos que adquirira na juventude, por isso sempre que Squire
lhe dava um copo d’água ou o elogiava por uma resposta especialmente detalhada,
Eugene agradecia e retribuía o elogio. Sempre que alguém entrava na sala, se
apresentava e perguntava como tinha sido seu dia. Mas quando Squire pediu que
Eugene memorizasse uma série de números ou descrevesse o corredor em frente à
porta do laboratório, o médico descobriu que seu paciente não conseguia reter
nenhuma informação nova por mais de um minuto. Quando alguém mostrava a Eugene
fotos de seus netos, ele não fazia ideia de quem eram. Quando Squire perguntava
se ele se lembrava de ter ficado doente, Eugene dizia que não tinha lembrança
alguma de sua doença nem da estada no hospital. Na verdade, Eugene quase nunca
lembrava que estava sofrendo de amnésia. Sua imagem mental de si mesmo não
incluía a perda de memória, e já que ele não conseguia se lembrar da lesão, não
conseguia conceber que havia algo de errado. Nos meses após conhecer Eugene,
Squire realizou experimentos que testavam os limites de sua memória. A essa
altura, Eugene e Beverly tinham se mudado de Playa del Rey para San Diego para
ficar mais perto da filha, e Squire muitas vezes os visitava para fazer exames.
Um dia, Squire pediu que Eugene esboçasse uma planta de sua casa. Ele foi
incapaz de desenhar um mapa rudimentar mostrando onde ficava a cozinha ou o
quarto. “Quando você levanta da cama de manhã, como sai do quarto?”, Squire
perguntou. “Olha”, disse Eugene, “não sei direito”. Squire tomou notas em seu
laptop, e enquanto o cientista digitava, Eugene se distraiu. Olhou de relance
para o outro lado da sala e então se levantou, andou até um corredor e abriu a
porta do banheiro. Uns poucos minutos depois, Squire ouviu a descarga, a
torneira aberta, e Eugene, enxugando as mãos nas calças, voltou para a sala e
sentou-se outra vez na cadeira ao lado de Squire. Esperou pacientemente pela
próxima pergunta. Na época, ninguém se perguntou como um homem incapaz de desenhar
um mapa de sua própria casa conseguia achar o banheiro sem hesitação. Mas essa
pergunta, e outras parecidas, acabariam levando a uma série de descobertas que
transformaram nossa compreensão do poder dos hábitos. Isso ajudaria a deflagrar
uma revolução científica que hoje envolve centenas de pesquisadores que estão
aprendendo, pela primeira vez, a entender todos os hábitos que influenciam
nossas vidas. Quando Eugene sentou-se à mesa, olhou para o laptop de Squire.
“Isso é impressionante”, ele disse, apontando para o computador. “Sabe, quando
eu trabalhava com eletrônica, teria dois suportes de 1,80 metro segurando essa
coisa.” Nas primeiras semanas depois que eles se mudaram para a casa nova,
Beverly tentava tirar Eugene de casa todo dia. Os médicos haviam lhe dito que
era importante que ele se exercitasse, e se Eugene ficava dentro de casa por
muito tempo, deixava Beverly maluca, fazendo as mesmas perguntas inúmeras
vezes, num loop infinito. Por isso, toda manhã e toda tarde ela o levava para
dar um passeio no quarteirão, sempre juntos e sempre seguindo o mesmo
itinerário. Os médicos tinham avisado a Beverly que ela precisaria monitorar
Eugene constantemente. Disseram que, se ele algum dia se perdesse, nunca mais
conseguiria achar o caminho de casa. Mas certa manhã, enquanto ela se vestia,
Eugene saiu despercebido pela porta da frente. Ele tinha uma tendência a
perambular de um cômodo para o outro, por isso Beverly levou um tempo para
perceber que ele tinha sumido. Quando percebeu, entrou em pânico. Correu para
rua e tentou enxergá-lo. Não conseguiu vê-lo. Foi até a casa dos vizinhos e
esmurrou as janelas. As casas eram parecidas — será que Eugene tinha se
confundido e entrado em outra? Ela correu até a porta e tocou a campainha até
alguém atender. Eugene não estava lá. Ela correu de volta para a rua, seguindo
o quarteirão, gritando o nome de Eugene. Estava chorando. E se ele tivesse ido
a algum lugar com trânsito? Como diria a alguém onde morava? Ela já estava fora
fazia 15 minutos, procurando em toda parte. Então correu para casa a fim de
ligar para a polícia. Quando ela entrou afoita pela porta, encontrou Eugene na
sala, sentado em frente à televisão, assistindo ao History Channel. As lágrimas
dela o deixaram confuso. Ele disse que não lembrava de ter saído, não sabia
onde estivera e não conseguia entender por que ela estava tão perturbada. Então
Beverly viu uma pilha de pinhas na mesa, como as que vira no quintal de um
vizinho mais adiante na rua. Ela se aproximou e olhou as mãos de Eugene. Seus
dedos estavam melados de seiva. Foi então que ela se deu conta de que Eugene
tinha saído sozinho para caminhar. Ele tinha andado até o final da rua e catado
alguns souvenirs. E achara o caminho de casa. Em pouco tempo, Eugene estava
saindo para caminhar toda manhã. Beverly tentava impedi-lo, mas era inútil.
“Mesmo se eu falasse para ele ficar em casa, uns poucos minutos depois ele não
lembrava mais”, ela me disse. “Eu o segui algumas vezes para garantir que ele
não ia se perder, mas ele sempre voltava são e salvo.” Às vezes voltava com
pinhas ou pedras. Uma vez voltou com uma carteira; outra, com um cachorrinho.
Nunca se lembrava de onde essas coisas tinham vindo. Quando Squire e seus
assistentes ficaram sabendo dessas caminhadas, começaram a suspeitar que estava
acontecendo alguma coisa dentro da cabeça de Eugene que não tinha nada a ver
com a sua memória consciente. Então projetaram um experimento. Uma assistente
de Squire visitou a casa um dia e pediu que Eugene desenhasse um mapa do
quarteirão onde morava. Ele não conseguiu. Mas onde a casa dele estava situada
na rua?, ela perguntou. Ele desenhou um pouquinho, depois se esqueceu da
tarefa. Ela pediu que ele apontasse qual porta dava para a cozinha. Eugene
olhou o cômodo à sua volta. Disse que não sabia. Ela perguntou a Eugene o que
ele faria se estivesse com fome. Ele levantou, andou até a cozinha, abriu um
armário e tirou um pote de amendoins. Mais tarde naquela semana, um visitante
acompanhou Eugene em sua caminhada diária. Eles andaram por cerca de 15 minutos
pela eterna primavera do sul da Califórnia, com o ar carregado do cheiro de
bougainvílleas. Eugene não falou muito, mas sempre guiava o caminho e parecia
saber aonde estava indo. Nunca pedia informações. Quando eles dobraram a
esquina perto da casa dele, o visitante perguntou a Eugene onde ele morava.
“Não sei exatamente”, respondeu. Então seguiu pela sua calçada, abriu sua porta
da frente, entrou na sala e ligou a televisão. Ficou claro para Squire que
Eugene estava absorvendo informações novas. Mas onde dentro de seu cérebro
estavam morando essas informações? Como alguém podia achar um pote de amendoins
quando não sabia dizer onde ficava a cozinha? Ou achar o caminho de casa quando
não fazia ideia de qual casa era a sua? Como, Squire se perguntou, os novos
padrões comportamentais estavam se formando dentro do cérebro avariado de
Eugene? II. Dentro do prédio que abriga o departamento de Ciências Cerebrais e
Cognitivas do Massachusetts Institute of Technology há laboratórios que contêm
o que, para um observador leigo, pareceriam salas de cirurgia de uma casa de
bonecas. Lá existem bisturis minúsculos, pequenas brocas e serras em miniatura
de menos de 6 milímetros de largura presas a braços robóticos. Mesmo as mesas
de operação são muito pequenas, como se preparadas para cirurgiões do tamanho
de crianças. As salas são sempre mantidas numa temperatura de 15 graus, pois um
toque gelado no ar estabiliza os dedos dos pesquisadores durante procedimentos
delicados. Dentro desses laboratórios, os neurologistas abrem os crânios de
ratos anestesiados, implantando sensores minúsculos capazes de registrar as
menores alterações dentro de seus cérebros. Quando os ratos acordam, mal
parecem notar que agora há dezenas de fios microscópicos espalhados, como teias
de aranha neurológicas, dentro de sua cabeça. Esses laboratórios tornaram-se o
epicentro de uma revolução silenciosa na ciência da formação de hábitos, e os
experimentos realizados aqui explicam como Eugene — assim como você, eu e todo
mundo — desenvolveu os comportamentos necessários para sobreviver a cada dia.
Os ratos desses laboratórios esclareceram os processos complexos que acontecem
dentro de nossas cabeças sempre que fazemos algo tão mundano como escovar os
dentes ou tirar o carro da garagem em marcha a ré. E para Squire, esses
laboratórios ajudaram a explicar como Eugene conseguiu aprender novos hábitos.
Quando os pesquisadores do MIT começaram a trabalhar com hábitos nos anos 1990
— mais ou menos à mesma época em que Eugene foi acometido de sua febre —, eles
ficaram curiosos sobre um nó de tecido neurológico conhecido como gânglios
basais. Se imaginarmos o cérebro humano como uma cebola, composto de camadas
sobrepostas de células, então as camadas de fora — as mais próximas do couro
cabeludo — são geralmente os acréscimos mais recentes de um ponto de vista
evolutivo. Quando você cria uma nova invenção ou ri da piada de um amigo, são
as partes mais externas do seu cérebro que estão em ação. É lá que acontecem os
pensamentos mais complexos. Mais fundo dentro do cérebro e mais perto do tronco
cerebral — onde o cérebro encontra a coluna — há estruturas mais antigas, mais
primitivas. Elas controlam nossos comportamentos automáticos, como respirar e
engolir, ou a reação de susto que sentimos quando alguém pula de trás de um arbusto.
Mais para o centro do crânio há um nó de tecido do tamanho de uma bola de
golfe, que é parecido com aquilo que se encontra dentro da cabeça de um peixe,
réptil ou mamífero. Esses são os gânglios basais, um oval de células que,
durante anos, os cientistas não entendiam muito bem, a não ser por suspeitas de
que ele desempenhava um papel em doenças como o mal de Parkinson. No começo dos
anos 1990, os pesquisadores do MIT começaram a cogitar que os gânglios basais
talvez pudessem ser essenciais para os hábitos também. Notaram que animais com
lesões nos gânglios basais de repente começavam a ter problemas com tarefas
como aprender a atravessar labirintos ou memorizar como abrir recipientes de
comida. Decidiram fazer experimentos usando novas microtecnologias que lhes
permitiam observar, nos mínimos detalhes, o que estava acontecendo dentro da
cabeça de cada rato enquanto ele realizava dezenas de rotinas. Numa cirurgia,
inseria-se no crânio do rato algo parecido com um pequeno joystick com dezenas
de fios minúsculos. Depois disso, o animal era colocado num labirinto em
formato de T com chocolate numa das pontas. O labirinto era estruturado de modo
que cada rato ficasse posicionado atrás de uma divisória, que se abria fazendo
um clique alto. No começo, quando um rato escutava o clique e via a divisória
desaparecer, geralmente ia e voltava pelo corredor do meio, farejando os cantos
e arranhando as paredes. Parecia sentir o cheiro do chocolate, mas não
conseguia descobrir como achá-lo. Quando chegava ao topo do T, muitas vezes
virava à direita, afastando-se do chocolate, e depois acabava indo para a
esquerda, às vezes fazendo uma pausa sem nenhum motivo óbvio. Por fim, a
maioria dos animais descobria a recompensa. Mas não havia padrão discernível no
caminho deles. Era como se cada rato estivesse dando um passeio descontraído,
sem pensar. As sondas nas cabeças dos ratos, no entanto, contavam uma história
diferente. Enquanto cada um deles percorria o labirinto, seu cérebro — e em
particular, seus gânglios basais — trabalhava intensamente. Cada vez que um
rato farejava o ar ou arranhava uma parede, seu cérebro explodia de atividade,
como se analisando cada novo cheiro, imagem e som. O rato estava processando
informações durante todo o tempo em que perambulava. Os cientistas repetiram o
experimento diversas vezes, observando como a atividade cerebral de cada rato
se alterava conforme percorria centenas de vezes a mesma rota. Uma série de
mudanças lentamente surgiu. Os ratos pararam de farejar cantos e virar para o
lado errado. Em vez disso, atravessavam o labirinto cada vez mais depressa. E
dentro de seus cérebros, algo inesperado aconteceu: conforme cada rato aprendia
a se orientar no labirinto, sua atividade mental diminuía. À medida que o
caminho se tornava cada vez mais automático, os ratos começaram a pensar cada
vez menos. Era como se, nas poucas vezes em que um rato explorava o labirinto,
seu cérebro tivesse que trabalhar com força total para dar conta de todas as
informações novas. Mas após alguns dias percorrendo o mesmo caminho, o rato não
precisava mais arranhar as paredes nem farejar o ar, e por isso a atividade
cerebral associada aos atos de arranhar e farejar ia cessando. Ele não
precisava escolher para que direção virar, portanto os centros de tomada de
decisão do cérebro ficavam em silêncio. Só o que ele tinha que fazer era
lembrar o caminho mais rápido até o chocolate. Dentro de uma semana, até as
estruturas cerebrais relacionadas à memória tinham se aquietado. O rato havia
internalizado como atravessar o labirinto correndo, num tal grau que quase não
precisava pensar. Porém essa internalização — correr reto, dobrar à esquerda,
comer o chocolate — dependia dos gânglios basais, como as sondas cerebrais
indicavam. Essa minúscula e primitiva estrutura neurológica parecia assumir o
comando conforme o rato corria cada vez mais depressa e seu cérebro trabalhava
cada vez menos. Os gânglios basais eram essenciais para recordar padrões e agir
com base neles. Os gânglios basais, em outras palavras, armazenavam hábitos mesmo
enquanto o resto do cérebro adormecia. Para observar essa capacidade cerebral,
considere este gráfico, que mostra a atividade dentro do crânio de um rato
quando ele se depara com o labirinto pela primeira vez. Inicialmente, o cérebro
está trabalhando duro o tempo todo: Depois de uma semana, quando o caminho fica
conhecido e a corrida se torna um hábito, o cérebro do rato se acalma enquanto
ele percorre o labirinto: Este processo — em que o cérebro converte uma
sequência de ações numa rotina automática — é conhecido como “chunking”
(agrupamento) e está na raiz de como os hábitos se formam. Há dezenas — se não
centenas — de blocos (chunks) comportamentais dos quais dependemos todos os
dias. Alguns são simples: você automaticamente põe pasta de dente na escova
antes de colocá-la na boca. Alguns, tais como se vestir ou preparar o almoço
das crianças, são um pouco mais complexos. Outros são tão complicados que é
espantoso pensar que um pequeno pedaço de tecido que evoluiu há milhões de anos
possa chegar a transformá-los em hábitos. Pensemos no ato de tirar o carro da
garagem em marcha a ré. Quando você aprendeu a dirigir, fazer isso exigia uma
grande dose de concentração, e por um bom motivo: a tarefa envolve abrir a
garagem, destrancar a porta do carro, ajustar o banco, inserir a chave na
ignição, girá-la em sentido horário, mexer nos retrovisores e conferir se não
há obstáculos, colocar o pé no freio, engatar a marcha a ré, tirar o pé do
freio, estimar mentalmente a distância entre a garagem e a rua enquanto você
mantém as rodas alinhadas e observa o trânsito no sentido contrário, calcular
como as imagens refletidas nos espelhos se traduzem em distâncias reais entre o
para-choque, as latas de lixo e as cercas, tudo isso enquanto você aplica uma
leve pressão ao acelerador e o freio e, muito provavelmente, pede ao passageiro
que por favor pare de mexer no rádio. Hoje em dia, no entanto, você faz tudo
isso cada vez que sai para a rua, quase sem pensar. A rotina acontece por
hábito. Milhões de pessoas executam esse intricado balé toda manhã, sem pensar,
pois, assim que sacamos as chaves do carro, nossos gânglios basais entram em
ação, identificando o hábito que armazenamos em nosso cérebro referente a tirar
um carro para a rua em marcha a ré. Uma vez que esse hábito começa a se
desenrolar, nossa massa cinzenta está livre para ficar em silêncio ou dar
sequência a outros pensamentos, e é por isso que temos capacidade mental
suficiente para perceber que o Jimmy esqueceu a lancheira dentro de casa. Os
hábitos, dizem os cientistas, surgem porque o cérebro está o tempo todo
procurando maneiras de poupar esforço. Se deixado por conta própria, o cérebro
tentará transformar quase qualquer rotina num hábito, pois os hábitos permitem
que nossas mentes desacelerem com mais frequência. Este instinto de poupar
esforço é uma enorme vantagem. Um cérebro eficiente exige menos espaço, o que
permite uma cabeça menor, tornando o parto mais fácil e portanto causando menos
mortes de bebês e de mães. Um cérebro eficiente também nos permite parar de
pensar constantemente em comportamentos básicos, tais como andar e escolher o
que comer, de modo que podemos dedicar energia mental para inventar lanças,
sistemas de irrigação e, por fim, aviões e video games. Mas preservar o esforço
mental é uma questão complicada, pois se nossos cérebros desligam no momento
errado, talvez deixemos de notar algo importante, como um predador escondido
nos arbustos ou um carro em alta velocidade enquanto saímos para a rua. Por
isso nossos gânglios basais desenvolveram um sistema inteligente para
determinar quando devem permitir que os hábitos assumam o comando. É algo que
acontece sempre que um bloco de comportamento começa ou termina. Para ver como
isso funciona, observe de novo atentamente o gráfico do hábito neurológico do
rato. Note que a atividade cerebral atinge seus picos no começo do labirinto,
quando o rato ouve o clique antes que a divisória comece a se mexer, e outra
vez no final, quando ele acha o chocolate. Esses picos são o modo como o
cérebro determina quando deve ceder o controle a um hábito, e qual hábito deve
usar. De trás de uma divisória, por exemplo, é difícil para um rato saber se
ele está dentro de um labirinto conhecido ou de um armário desconhecido com um
gato à espreita do lado de fora. Para lidar com essa incerteza, o cérebro
despende muito esforço no começo de um bloco de comportamento, procurando
alguma coisa — uma deixa — que lhe forneça uma pista de qual hábito usar. De
trás de uma divisória, se um rato ouve um clique, ele sabe que deve usar o
hábito do labirinto. Se ouve um miado, escolhe um padrão diferente. Ao final da
atividade, quando a recompensa aparece, o cérebro desperta e confere se tudo
correu como esperado. Esse processo dentro dos nossos cérebros é um loop de
três estágios. Primeiro há uma deixa, um estímulo que manda seu cérebro entrar
em modo automático, e indica qual hábito ele deve usar. Depois há a rotina, que
pode ser física, mental ou emocional. Finalmente, há uma recompensa, que ajuda
seu cérebro a saber se vale a pena memorizar este loop específico para o
futuro: Ao longo do tempo, este loop — deixa, rotina, recompensa; deixa,
rotina, recompensa — se torna cada vez mais automático. A deixa e a recompensa
vão se entrelaçando até que surja um poderoso senso de antecipação e desejo.
Por fim, seja num laboratório gelado do MIT ou na garagem da sua casa, um
hábito nasce. Os hábitos não são inevitáveis. Como explicam os dois capítulos
seguintes, eles podem ser ignorados, alterados ou substituídos. Mas a
descoberta do loop do hábito é tão importante porque revela uma verdade básica:
quando um hábito surge, o cérebro para de participar totalmente da tomada de
decisões. Ele para de fazer tanto esforço, ou desvia o foco para outras
tarefas. A não ser que você deliberadamente lute contra um hábito — que
encontre novas rotinas —, o padrão irá se desenrolar automaticamente. No
entanto, apenas entender como os hábitos funcionam — aprender a estrutura do
loop do hábito — já os torna mais fáceis de controlar. Assim que você divide um
hábito em seus componentes, está apto a brincar com as engrenagens. “Fizemos
experimentos em que treinamos ratos para atravessar um labirinto até que
virasse um hábito, e depois eliminamos o hábito mudando a localização da
recompensa”, me disse Ann Graybiel, uma cientista do MIT que supervisionou
muitos dos experimentos com os gânglios basais. “Então um dia colocamos a
recompensa no lugar antigo, soltamos o rato e aí está: o velho hábito ressurge
imediatamente. Os hábitos nunca desaparecem de fato. Estão codificados nas
estruturas do nosso cérebro, e essa é uma enorme vantagem para nós, pois seria
terrível se tivéssemos que reaprender a dirigir depois de cada viagem de
férias. O problema é que nosso cérebro não sabe a diferença entre os hábitos
ruins e os bons, e por isso, se você tem um hábito ruim, ele está sempre ali à
espreita, esperando as deixas e recompensas certas.” Isso explica por que é tão
difícil criar o hábito de fazer exercícios, por exemplo, ou de mudar nossa
alimentação. Uma vez que adquirimos uma rotina de sentar no sofá em vez de sair
para correr, ou de fazer um lanchinho sempre que passamos por uma caixa de
donuts, esses padrões continuam para sempre dentro das nossas cabeças. Segundo
a mesma regra, no entanto, se aprendermos a criar novas rotinas neurológicas
que sejam mais poderosas que esses comportamentos — se assumirmos o controle do
loop do hábito —, podemos forçar essas tendências nocivas a ficar em segundo
plano, assim como fez Lisa Allen após sua viagem ao Cairo. Estudos demonstraram
que, uma vez que alguém cria um novo padrão, sair para correr ou ignorar os
donuts se torna tão automático quanto qualquer outro hábito. Sem os loops dos
hábitos, nossos cérebros entrariam em pane, sobrecarregados com as minúcias da
vida cotidiana. Pessoas cujos gânglios basais são prejudicados por lesões ou
doenças muitas vezes ficam mentalmente paralisadas. Têm dificuldade de realizar
atividades básicas, como abrir uma porta ou decidir o que comer. Perdem a
capacidade de ignorar detalhes insignificantes — um estudo, por exemplo,
descobriu que pacientes com lesões nos gânglios basais eram incapazes de
reconhecer expressões faciais, inclusive medo e nojo, porque nunca sabiam
direito em qual parte do rosto deviam se focar. Sem os gânglios basais,
perdemos acesso às centenas de hábitos de que dependemos todos os dias. Você
parou hoje de manhã para decidir se amarrava o sapato esquerdo ou o direito
primeiro? Teve problemas para decidir se devia escovar os dentes antes ou
depois de tomar banho? É claro que não. Essas decisões são habituais, não
exigem esforço. Contanto que seus gânglios basais estejam intactos e as deixas
continuem constantes, os comportamentos acontecerão sem pensar. (Se bem que,
quando você sai de férias, talvez se vista de maneiras diferentes ou escove os
dentes num outro momento da rotina matinal sem perceber.) Ao mesmo tempo, no
entanto, a dependência do cérebro de rotinas automáticas pode ser perigosa.
Muitas vezes, os hábitos são tanto uma maldição quanto um benefício. Pense no
caso de Eugene, por exemplo. Os hábitos lhe deram sua vida de volta depois que
ele perdeu a memória. E então levaram tudo embora de novo. III. Conforme Larry
Squire, o especialista em memória, passava cada vez mais tempo com Eugene, foi
ficando convencido de que seu paciente estava de algum modo aprendendo
comportamentos novos. Imagens do cérebro de Eugene mostravam que seus gânglios
basais tinham escapado da lesão causada pela encefalite viral. Seria possível,
perguntou-se o cientista, que Eugene, mesmo com a grave lesão cerebral, ainda
pudesse usar o loop deixa-rotina-recompensa? Será que esse antigo processo
neurológico poderia explicar como Eugene era capaz de dar uma volta no
quarteirão e achar o pote de amendoins na cozinha? Para testar se Eugene estava
formando novos hábitos, Squire criou um experimento. Pegou 16 objetos
diferentes — pedaços de plástico e peças de brinquedos com cores vivas — e os
colou em retângulos de papelão. Então os dividiu em oito pares, opção A e opção
B. Em cada par, um dos pedaços de papelão, escolhido aleatoriamente, tinha um
adesivo na parte de baixo onde se lia “correto”. Squire colocou Eugene sentado
à mesa, deu-lhe um par de objetos e pediu que escolhesse um deles. Em seguida,
pediu que Eugene virasse o papelão escolhido para ver se havia um adesivo
dizendo “correto” na parte de baixo. Este é um jeito comum de medir a memória.
Já que há apenas 16 objetos, e eles são sempre apresentados nos mesmos oito
pares, a maioria das pessoas consegue memorizar qual item é “correto” após umas
poucas repetições. Macacos são capazes de memorizar todos os itens “corretos”
depois de oito a dez dias. Eugene não conseguia lembrar nenhum dos itens
“corretos”, por mais vezes que fizesse o teste. Ele repetiu o experimento duas
vezes por semana durante meses, olhando quarenta pares por dia. “Você sabe por
que está aqui hoje?”, perguntou um pesquisador no começo de uma sessão, algumas
semanas depois do início do experimento. “Acho que não”, disse Eugene. “Vou lhe
mostrar uns objetos. Você sabe por quê?” “Tenho que descrevê-los para você, ou
dizer para que eles servem?” Eugene não lembrava absolutamente nada das sessões
anteriores. Mas conforme as semanas se passaram, o desempenho de Eugene
melhorou. Depois de 28 dias de treinamento, escolhia os objetos “corretos” 85% das
vezes. Aos 36 dias, acertava 95% das escolhas. Certo dia, depois de um teste,
Eugene olhou para a pesquisadora, desconcertado com seu sucesso. “Como estou
fazendo isso?”, ele perguntou a ela. “Me diga o que está acontecendo na sua
cabeça”, a pesquisadora disse. “Você diz para si mesmo: ‘Eu me lembro de ver
esse?’” “Não”, disse Eugene. “A coisa está aqui de algum jeito ou de outro” —
ele apontou para sua cabeça — “e a mão vai atrás”. Para Squire, no entanto,
aquilo fazia todo o sentido. Eugene era exposto a uma deixa: um par de objetos
sempre apresentados na mesma combinação. Havia uma rotina: ele escolhia um
objeto e olhava para ver se havia um adesivo embaixo, mesmo não fazendo ideia
de por que se sentia impelido a virar o papelão. Então havia uma recompensa: a
satisfação que ele obtinha após achar um adesivo proclamando “correto”. Por
fim, um hábito surgia. Para se certificar de que aquele padrão era realmente um
hábito, Squire realizou mais um experimento. Pegou todos os 16 itens e os pôs
na frente de Eugene ao mesmo tempo. Pediu que colocasse todos os objetos
“corretos” numa mesma pilha. Eugene não fazia ideia de por onde começar. “Minha
nossa, como vou lembrar isso?”, ele perguntou. Estendeu a mão para pegar um
objeto e começou a virá-lo. A pesquisadora o deteve. Não, ela explicou. A
tarefa era pôr os itens em pilhas. Por que ele estava tentando virá-los? “É só
um hábito, eu acho”, ele disse. Ele não conseguiu fazer aquilo. Os objetos,
quando apresentados fora do contexto do loop do hábito, não faziam sentido para
ele. Essa era a prova que Squire procurava. Os experimentos demonstravam que
Eugene tinha a capacidade de formar novos hábitos, mesmo quando eles envolviam
tarefas ou objetos dos quais ele era incapaz de lembrar por mais de uns poucos
segundos. Isso explicava como Eugene conseguia sair para passear toda manhã. As
deixas — certas árvores nas esquinas ou a localização de caixas de correio
específicas — eram consistentes toda vez que ele saía, e por isso, embora ele
fosse incapaz de reconhecer sua casa, seus hábitos sempre o guiavam de volta
para a porta da frente. Isso também explicava por que Eugene tomava café da
manhã três ou quatro vezes por dia, mesmo que não estivesse com fome. Contanto
que as deixas certas estivessem presentes — como seu rádio, ou a luz da manhã
entrando pelas janelas —, ele automaticamente seguia o roteiro ditado por seus
gânglios basais. Além disso, havia dezenas de outros hábitos na vida de Eugene
que as pessoas só perceberam quando começaram a procurar. A filha de Eugene, por
exemplo, muitas vezes passava na casa deles para dar um oi. Falava com o pai na
sala por um tempo, depois entrava na cozinha para ficar com a mãe, e então ia
embora, despedindo-se com um aceno ao sair pela porta. Eugene, que já tinha
esquecido a conversa anterior deles quando ela saía, ficava bravo — por que ela
estava indo embora sem conversar com ele? — e depois esquecia por que estava
chateado. Porém o hábito emocional já havia começado, e por isso sua raiva
persistia, inflamada e além da sua compreensão, até se consumir por si só. “Às
vezes ele batia na mesa ou falava palavrões, e se alguém perguntava por quê,
ele dizia ‘Não sei, mas estou bravo!’”, Beverly me contou. Ele chutava a
cadeira, ou era ríspido com quem quer que entrasse na sala. Então, poucos
minutos depois, ele sorria e falava do tempo. “Era como se, uma vez que a
frustração começava, ele tivesse que levá-la até o fim”, ela disse. O novo
experimento de Squire também mostrou outra coisa: que os hábitos são
surpreendentemente delicados. Se as deixas de Eugene sofressem mesmo a menor
alteração, seus hábitos caíam em desarranjo. Por exemplo, nas poucas vezes em
que ele dava a volta no quarteirão e havia algo de diferente — a prefeitura
estava fazendo obras na rua, ou uma ventania tinha soprado galhos por toda a
calçada — Eugene se perdia, por mais perto que estivesse de casa, até que um
vizinho gentil lhe mostrasse o caminho até sua porta. Se sua filha parasse para
conversar com ele por dez segundos antes de sair, seu hábito de raiva nunca surgia.
Os experimentos de Squire com Eugene revolucionaram a compreensão da comunidade
científica de como o cérebro funciona, provando de uma vez por todas que é
possível aprender e fazer escolhas inconscientes sem ter nenhuma lembrança da
lição ou da tomada de decisão. Eugene mostrou que os hábitos, tanto quanto a
memória e a razão, são a raiz do nosso comportamento. Talvez não nos lembremos
das experiências que criam nossos hábitos, mas, uma vez que estão alojados
dentro dos nossos cérebros, eles influenciam o modo como agimos — muitas vezes
sem percebermos. Desde que o primeiro artigo de Squire sobre os hábitos de
Eugene foi publicado, a ciência da formação de hábitos se transformou num
grande campo de estudo. Pesquisadores das universidades de Duke, Harvard, Ucla
, Yale, USC, Princeton, Pensilvânia, e de todas as escolas no Reino Unido,
Alemanha e Holanda, assim como cientistas corporativos trabalhando para a
Procter & Gamble, Microsoft, Google e centenas de outras empresas, estão
focados em compreender a neurologia e psicologia dos hábitos, suas forças e
fraquezas, por que eles surgem e como podem ser mudados. Os pesquisadores
descobriram que as deixas podem ser quase qualquer coisa, desde um estímulo
visual, como um doce ou um comercial de tevê, até certo lugar, uma hora do dia,
uma emoção, uma sequência de pensamentos, ou a companhia de pessoas
específicas. As rotinas podem ser incrivelmente complexas ou fantasticamente
simples (alguns hábitos, como aqueles relacionados a emoções, são medidos em
milissegundos). As recompensas podem variar desde comida ou drogas que causam
sensações físicas, até compensações emocionais, tais como os sentimentos de
orgulho que acompanham os elogios ou as autocongratulações. E em quase todos os
experimentos, os pesquisadores viram ecos das descobertas de Squire com Eugene:
Os hábitos são poderosos, mas delicados. Podem surgir fora da nossa consciência
ou ser arquitetados deliberadamente. Muitas vezes acontecem sem a nossa
permissão, mas podem ser remodelados se manipularmos suas peças. Eles dão forma
a nossa vida muito mais do que percebemos — são tão fortes, na verdade, que
fazem com que nossos cérebros se apeguem a eles a despeito de todo o resto,
inclusive o bom-senso. Numa série de experimentos, por exemplo, pesquisadores afiliados
ao National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (Instituto Nacional do
Abuso do Álcool e do Alcoolismo) treinaram camundongos para apertar alavancas
em resposta a certas deixas, até que o comportamento se tornasse um hábito. Os
camundongos eram sempre recompensados com comida. Então, os cientistas
envenenaram a comida para que deixasse os bichos violentamente enjoados, ou
eletrificaram o chão, de modo que, quando os camundongos andavam em direção à
recompensa, levavam um choque. Os camundongos sabiam que a comida e a jaula
eram perigosas — quando recebiam as bolinhas envenenadas numa tigela ou viam os
painéis eletrificados no chão, mantinham distância. No entanto, quando viam
suas antigas deixas, apertavam a alavanca sem pensar e comiam a comida, ou
andavam pelo chão, mesmo enquanto vomitavam ou pulavam por causa da
eletricidade. O hábito estava tão arraigado que os camundongos não conseguiam
evitar. Não é difícil encontrar um caso análogo no mundo humano. Pense no
fast-food, por exemplo. Faz sentido — quando as crianças estão morrendo de fome
e você está dirigindo para casa depois de um longo dia — parar, só esta vez, no
McDonald’s ou no Burger King. As refeições não são caras. O sabor é tão bom.
Afinal, uma única dose de carne processada, batatas fritas salgadas e
refrigerante cheio de açúcar representa um risco relativamente pequeno para a
saúde, certo? Você não faz isso o tempo todo. Porém os hábitos surgem sem a
nossa permissão. Estudos indicam que em geral as famílias não pretendem comer
fast-food regularmente. O que acontece é que um padrão de uma vez por mês
lentamente se torna uma vez por semana, e então duas vezes por semana —
conforme as deixas e recompensas criam um hábito — até que as crianças estão
consumindo uma quantidade de hambúrgueres e fritas que é prejudicial à saúde.
Quando pesquisadores da Universidade do Norte do Texas e de Yale tentaram
entender por que as famílias gradualmente aumentavam o consumo de fast-food,
encontraram uma série de deixas e recompensas que a maioria dos consumidores
nunca soube que estava influenciando seu comportamento. Eles descobriram o loop
do hábito. Todo McDonald’s, por exemplo, possui a mesma aparência — a empresa
deliberadamente tenta padronizar a arquitetura das lanchonetes e o que os
funcionários dizem aos clientes, de modo que tudo seja uma deixa consistente
para desencadear rotinas de compra. Em algumas redes, os alimentos são
especificamente concebidos para proporcionar recompensas imediatas — as batatas
fritas, por exemplo, são projetadas para começar a se desintegrar no momento em
que encostam na sua língua, para fornecer uma dose de sal e gordura o mais
rápido possível, ativando seus centros de prazer e prendendo seu cérebro no
padrão. Muito melhor para estreitar o loop do hábito. No entanto, mesmo esses
hábitos são delicados. Quando uma lanchonete de fast-food fecha, as famílias
que antes comiam lá muitas vezes passam a jantar em casa, em vez de procurar um
lugar alternativo. Mesmo pequenas alterações podem acabar com o padrão. Mas já
que frequentemente não reconhecemos estes loops de hábitos enquanto crescem,
não enxergamos nossa capacidade de controlá-los. Aprendendo a observar as
deixas e recompensas, no entanto, podemos mudar as rotinas. IV. Em 2000, sete
anos após a doença, a vida de Eugene atingira uma espécie de equilíbrio. Ele
saía para caminhar toda manhã. Comia o que queria, às vezes cinco ou seis vezes
por dia. Sua mulher sabia que, contanto que a televisão estivesse ligada no
History Channel, Eugene se instalaria na sua poltrona felpuda e ficaria
assistindo, fossem reprises ou programas novos. Ele não percebia a diferença.
Conforme foi ficando mais velho, no entanto, os hábitos de Eugene começaram a
ter impactos negativos na sua vida. Ele era sedentário, às vezes assistia
televisão durante horas a fio, pois nunca se entediava com os programas. Seus
médicos ficaram preocupados com seu coração. Disseram a Beverly que o
mantivesse numa dieta restrita de comidas saudáveis. Ela tentou, mas era
difícil influenciar a frequência com que ele comia ou o que comia. Ele nunca se
lembrava das advertências dela. Mesmo se a geladeira estivesse abarrotada de
frutas e legumes, Eugene fuçava até achar o bacon e os ovos. Essa era sua
rotina. E conforme Eugene envelhecia e seus ossos ficavam mais frágeis, os
médicos disseram que ele precisava tomar mais cuidado ao passear pela rua. Na
cabeça de Eugene, no entanto, ele ainda tinha vinte anos a menos. Nunca se
lembrava de pisar com cuidado. “Fui fascinado pela memória durante toda a minha
vida”, Squire me disse. “Então conheci E.P. e vi como a vida pode ser rica
mesmo se você não pode se lembrar dela. O cérebro tem esta capacidade espantosa
de encontrar a felicidade mesmo quando as memórias dela não estão mais lá.
“Porém é difícil desligar isso, o que acabou se voltando contra ele.” Beverly
tentou usar sua compreensão dos hábitos para ajudar Eugene a evitar problemas
conforme envelhecia. Descobriu que podia causar um curto-circuito em alguns de
seus piores padrões, inserindo novas deixas. Se ela não guardasse bacon na
geladeira, Eugene não comeria vários cafés da manhã gordurosos. Quando ela
punha uma salada perto da poltrona dele, Eugene às vezes a beliscava, e
conforme a refeição foi se tornando um hábito, parou de procurar guloseimas na
cozinha. Sua dieta aos poucos melhorou. Apesar desses esforços, no entanto, a
saúde de Eugene piorou mesmo assim. Um dia de primavera, Eugene estava
assistindo televisão quando de repente deu um grito. Beverly entrou correndo e
o viu com a mão no peito. Ela chamou uma ambulância. No hospital, foi
diagnosticado um pequeno ataque cardíaco. A essa altura, a dor tinha passado e
Eugene estava lutando para sair da maca. Naquela noite ele ficou o tempo todo
arrancando os sensores presos a seu peito para poder deitar de lado e dormir.
Alarmes soavam e enfermeiras entravam correndo. Elas tentavam fazer com que
parasse de mexer nos sensores, prendendo-os no lugar com esparadrapo e dizendo
que iam amarrá-lo se ele continuasse se mexendo. Nada funcionava. Ele esquecia
as ameaças logo depois que eram feitas. Então sua filha disse a uma enfermeira
que tentasse elogiá-lo por cooperar e ficar quieto, e repetisse o elogio
inúmeras vezes, sempre que o via. “Sabe como é, queríamos apelar para o orgulho
dele”, me disse sua filha, Carol Rayes. “Dizíamos: ‘Ah, pai, você está mesmo
fazendo uma coisa importante pela ciência, deixando estes negocinhos no
lugar.’” As enfermeiras começaram a paparicá-lo. Ele amou. Depois de alguns
dias, ele fazia o que quer que elas pedissem. Eugene voltou para casa uma semana
depois. Então, no outono de 2008, quando atravessava a sala de estar, Eugene
tropeçou numa saliência perto da lareira, caiu e quebrou o quadril. No
hospital, Squire e sua equipe recearam que ele fosse ter crises de pânico por
não saber onde estava. Por isso deixaram bilhetes ao lado de sua cama
explicando o que acontecera e colaram fotos de seus filhos nas paredes. Sua
mulher e seus filhos vinham visitá[1]lo
todo dia. Eugene, no entanto, nunca ficou preocupado. Nunca perguntava por que
estava no hospital. “Àquela altura, ele parecia estar conciliado com a
incerteza”, disse Squire. “Fazia 15 anos que perdera a memória. Era como se
parte de seu cérebro soubesse que havia algumas coisas que ele jamais
entenderia, e aceitasse isso bem.” Beverly vinha ao hospital todos os dias. “Eu
passava um tempão falando com ele”, ela disse. “Dizia que o amava, e falava dos
nossos filhos e da vida boa que tínhamos. Apontava para as fotos e dizia como
ele era querido. Fomos casados durante 57 anos, e 42 deles foram um casamento
normal de verdade. Às vezes era difícil, porque eu queria tanto o meu velho
marido de volta. Mas pelo menos eu sabia que ele estava feliz.” Umas poucas
semanas depois, sua filha veio visitá-lo. “Qual é o plano?”, Eugene perguntou
quando ela chegou. Ela o levou para fora numa cadeira de rodas, até o gramado
do hospital. “O dia está lindo”, disse Eugene. “Que tempo ótimo, né?” Ela falou
para ele sobre suas crianças, e eles brincaram com um cachorro. Ela achou que
ele talvez pudesse voltar para casa em breve. O sol estava se pondo. Ela
começou a se preparar para levá-lo para dentro. Eugene olhou para ela. “Tenho
sorte de ter uma filha como você”, ele disse. Ela foi pega desprevenida. Não
conseguia se lembrar da última vez em que ele dissera uma coisa tão carinhosa.
“Tenho sorte de você ser meu pai”, ela disse. “Puxa, o dia está lindo”, ele
disse. “O que você está achando do tempo?” Naquela noite, à uma da manhã, o
telefone de Beverly tocou. O médico disse que Eugene sofrera um ataque cardíaco
grave e os funcionários tinham feito o possível, mas não tinham conseguido
reanimá-lo. Ele falecera. Depois de sua morte, ele seria celebrado pelos
pesquisadores, e imagens de seu cérebro seriam estudadas em centenas de
laboratórios e escolas de medicina. “Sei que ele teria ficado muito orgulhoso
de saber o quanto contribuiu para a ciência”, Beverly me disse. “Ele me disse
uma vez, logo depois de casarmos, que queria fazer alguma coisa importante com
sua vida, algo que fizesse diferença. E ele fez. Apenas nunca se lembrou de
nada disso.”