Quando foi que se perdeu o
respeito pela Justiça no Brasil?
Para muitos, a Justiça brasileira morreu quando o STF se recusou a julgar o mérito do impeachment de Dilma e nada foi feito contra as bravatas do então deputado Bolsonaro, plantando a semente de ameaças às instituições
As
instituições não reagiram às injúrias e bravatas de Bolsonaro e agora
serão desafiadas repetidamente por pessoas como o deputado Daniel Silveira, que
provoca as autoridades sem medo de consequências
"Na Justiça, no Senado,
bravata pra todo lado, ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no
futuro da nação..."
Duvidar do processo
eleitoral sem apresentar ou ter provas de falhas é brincar com fogo.
E parece que há muita gente querendo botar fogo nas instituições. Estão
buscando o caos para quê? São anarquistas raiz vestidos de direitistas
"Nutella"?
Apesar de até agora não haver
evidências, Jair Messias Bolsonaro fala há anos sobre supostas falhas nas urnas
eletrônicas brasileiras, sem nunca apresentar provas. Ao questionar o processo
eleitoral, o presidente brinca com a ameaça de um golpe, seguindo os
roteiros escritos por seu ídolo Donald Trump.
Nos últimos dias, viu-se uma
troca de notas entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as Forças Armadas,
com os militares usando argumentos e premissas que não correspondem aos
fatos. Eles falaram numa suposta "sala escura" onde os votos
seriam apurados e pediram uma contagem paralela dos votos controlada
pelas Forças Armadas, algo que foi defendido por Bolsonaro.
Tudo isso foi muito longe,
longe demais, até o TSE decidir dar um basta no começo desta semana. Um basta
que veio tarde, pois, quando pessoas respeitadas como os militares começam
a levantar dúvidas sobre o processo eleitoral, corroem a
democracia brasileira e suas instituições – que são
difíceis de construir, mas fáceis de danificar.
Nos Estados Unidos, as Forças
Armadas deixaram claro que não fariam parte de um eventual golpe de Trump
depois das eleições. Os militares americanos conhecem o próprio papel, as
próprias limitações e atribuições, o seu lugar. Não sonham com aventuras
autocratas. Tudo isso são fatores que, com certeza, contribuíram para que a
transição do poder para Joe Biden se concretizasse. É importante ter adultos em
casa quando as crianças brincam com palitos de fósforo.
Semente das ameaças
Mas, afinal, quando foi que a
Justiça brasileira começou a ser colocada contra a parede?
Lembro-me dos processos do
Mensalão, com brigas e bate-bocas homéricos entre os ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), tudo transmitido ao vivo pela televisão. E com
ministros trocando acusações até em entrevistas e nas redes sociais. O mesmo se
repetiu nos processos do Petrolão. Na época, muita gente achou ótimo transmitir
tudo isso ao vivo, como uma lição educativa para o público.
Aí veio o impeachment de Dilma Rousseff.
Que pode até ter seguido as regras do jogo ao pé da letra constitucional. Mas
que foi marcado pela rejeição do STF em julgar o mérito do impeachment. Para
muitos, a Justiça brasileira morreu aí.
Somam-se a isso as palavras de
Bolsonaro na votação do impeachment na Câmara, no dia 17 de abril de 2016:
"Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma
Rousseff!"
Não houve quebra de decoro
parlamentar? Nada aconteceu. Bolsonaro recebeu carta branca para suas injúrias
e bravatas. E aí foi plantada a semente das ameaças ao Judiciário e
às instituições.
As instituições não
reagiram e agora serão desafiadas repetidamente por pessoas como o
deputado Daniel Silveira, que
provoca as autoridades sem medo de consequências. Perdeu-se o respeito e o medo
da Justiça. E, com isso, há cada vez mais sapos a serem engolidos.
E agora? Como consertar?
....
Thomas Milz saiu da casa de seus pais
protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo.
Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos,
trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de
notícias KNA e o jornal Neue Zürcher
Zeitung.
É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São
Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
O texto
reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Irmão messias
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